Ensinamentos de leste com Vitaly Petrov

Sexta, 02 Março 2012


No debate promovido pela Federação Portuguesa de Atletismo, Vitaly Petrov apresentou o seu sistema de treino que é considerado o paradigma dos modelos de treino para o Salto com Vara. Adorei aquelas cerca de 2 horas e meia de transmissão de conhecimento daquela lenda do atletismo ucraniano, o treinador do grande Sergey Bubka!

Durante a “apresentação” do seu modelo de treino, foi impossível não notar a influência de características bastante próprias do modelo desportivo soviético e da própria cultura soviética. Esta sempre privilegiou o desenvolvimento do corpo para as áreas do trabalho e das actividades militares. Mas seria só com o advento do comunismo na Rússia após 1917, que o corpo humano passou a ser considerado para as actividades físicas e o desporto deixou de ser praticado apenas pelas elites, espalhando-se às massas. Desde então, todos os jovens russos puderam praticar desporto sem custo pela implementação de um sistema de educação física gratuito. Claro que o grande objectivo era a defesa do país pelo que queriam ter militares mais bem preparados mas os efeitos no desporto não se fizeram demorar. Estes foram surgindo naturalmente e os atletas “comunistas” começaram a bater recordes mundiais.

Em 1952 o ditador Josef Estaline ordenou que o Departamento de Propaganda do governo tomasse conta do Desporto Soviético já que era essencial tentar mostrar a superioridade do “mundo” soviético. Ainda nesse ano, Estaline deu permissão para os seus desportistas participarem nos Jogos Olímpicos, pela primeira vez em 40 anos, e foi tudo preparado com cuidado. Estaline atrasou mesmo a participação do seu país nos Jogos Olímpicos porque queria estar certo que o Desporto Soviético estava preparado para revelar a sua superioridade ao mundo, e consequentemente, a superioridade do sistema social que o suportava. Não havia espaço para erros! Estavamos, convém lembrar, num período pós-2ª Grande Guerra Mundial, no início da Guerra Fria que dividiu o mundo em dois blocos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América, e o comunista liderado pela Rússia. Nesses Jogos, a Rússia e EUA empataram no primeiro lugar do quadro das medalhas, com a Rússia a levar 71 medalhas para casa…

Em termos de treino, os russos procuraram sempre ultrapassar os limites do corpo. Na época de Estaline procurou-se a perfeição mecanicista do corpo com o sonho último da própria fusão com a máquina, o que levou especialmente ao fortalecimento do corpo. Após a morte de Estaline, em 1953, Nikita Kruschev subiu ao poder da União Soviética e começou um período de “Desestanilização”. Neste período, entre meados dos anos 50 até ao final da década de 60 do século XX, conhecido na História pelo “Degelo de Kruschev”, caminhou-se para o lema “mens sana in corpore sano” ao se privilegiar o intelecto. Para além de ter sido nesta altura que nasceu e cresceu Serguey Bubka, foi precisamente durante este período que Vitaly Petrov se formou e deu os seus primeiros passos enquanto treinador, o que o influenciaria para sempre.

Essa é a minha opinião depois de ouvir a seguinte frase de Petrov: “A força e a velocidade têm limites. A técnica não! Não há limites, pode sempre evoluir!” Surpreendido? Toda a gente devia saber que o corpo humano tem limites! Por exemplo, não podemos correr tão rápido como as lebres, nem ter a força de um urso… Tal como a técnica, também a inteligência e o conhecimento não têm limites, pelo que podemos ser é mais inteligentes e, olhando para os limites da nossa “máquina” (corpo), arranjar maneiras de melhorar. Foi o que fez Petrov, “criando” a técnica de salto com vara que Bubka interpretou com maestria para dominar o seu evento ao longo de quase duas décadas. Toda a técnica (de saltos, de corrida, etc.) executada no sistema de treino de Petrov tem um estudo científico e um conhecimento da própria mecânica dos movimentos, o que remete para a fusão entre as visões da “era-Estaline” e do “Degelo de Kruschev”.

Para Petrov, antes de se pensar em ser mais forte ou mais rápido, há que privilegiar a técnica. O técnico ucraniano defende mesmo que a técnica deve estar na base do treino. Bum! Onde é que o Petrov andou este tempo todo? Já devia ter vindo cá dizer isto há muito mais tempo. Deu-me vontade de rir… A sério que deu vontade de rir ao pensar num episódio contado por uma certa atleta, antiga saltadora. Há cerca de 5 anos e alguns meses, quando a atleta deixou Leiria para vir estudar e treinar em Lisboa, um técnico nacional ligado aos saltos aconselhou-a a não treinar apenas com um dado treinador dizendo-lhe que “ele só percebe de técnica”… Como se isso fosse assim tão grave, caso fosse verdade (o que não é). Mas será que é tudo cego? Que trabalho é que este treinador podia fazer com atletas que lá iam uma vez por semana e que tinham outros treinadores para outras disciplinas? Sendo treinador daquela disciplina, ensinava-lhes técnica de salto apenas… Será que nunca perceberam isso?



Mas seria assim tão mal se um treinador, por exemplo de salto com vara, só percebesse de técnica de salto com vara? Até o próprio Petrov se rodeia de pessoas especializadas nas suas vertentes, desde a preparação física à ginástica (será que muitos treinadores têm essa humildade de reconhecer que não são “experts” em tudo?). Todos estão em sintonia e todos sabem perfeitamente que o objectivo final é fazer o atleta saltar mais alto, derrubando o cálculo matemático mais fácil em que 1+1 já não é 2. Porque no fim o resultado global é bem superior à soma das partes individuais.

Claro que cada um tem a sua opinião e defende-a à sua maneira mas, para mim, a técnica também está no topo das prioridades. Desde a minha experiência de treinos na Polónia que a técnica passou para esse lugar de destaque na minha preparação para os 400m barreiras. Ali constatei o que Petrov defende: a técnica é o mais importante. E não podia ter encontrado algo diferente já que treino desportivo polaco está marcadíssimo pela influência soviética não fossem os mais de 40 anos de dominação soviética na Polónia na segunda metade do século XX.

No meu caso pessoal, como é que sendo “lento” (11,84 segundos aos 100 m; 24,12 segundos aos 200 m) e baixo (1.74 m) consigo ser competitivo nos 400 metros barreiras com os “segundos-planos” nacionais? Com técnica, pois claro! Ora vejam…

Na época passada, a minha melhor marca da época aos 400m planos foram uns “horríveis” 55,35 segundos e à partida não teria qualquer hipótese de competir com os “segundos planos” nacionais dos 400 m barreiras já que eles correm de 49 a 51s nos 400 planos. Conhecendo melhor do que ninguém as minhas limitações físicas, procuro constantemente melhorar a minha técnica de corrida e da passagem da barreira. E assim sendo consegui correr em 55,93 segundos aos 400m barreiras! Como é que foi possível? Não há surpresas, foi graças à aposta na técnica. Esse diferencial de menos de 1 segundos foi extraordinário já que o normal dos “segundos-planos” é perder 4 a 5 segundos dos planos para as barreiras (na alta competição a “sério” perdem entre 2 a 3 segundos). Para se ter uma noção, apresento um quadro com a comparação de resultados de alguns atletas durante 2012:


Atleta 400 m 400 m Barr. Diferencial
L. J. Van Zyl (África do Sul) 44,86 47,66 2,80
Félix Sanchez (Rep. Dominicana) 46,30 48,78 2,48
João Ferreira (SCP) 46,69 49,63 2,94
Jorge Paula (SLB) 46,88 49,72 2,84
Diogo Santos (JV) 49,25 53,27 4,02
Pedro Semedo 49,99 54,10 4,11
Francisco Évora (Lavra) 51,20 55,64 4,44
Rafael Lopes (CIAIA) 55,35 55,93 0,58
João Moniz (JV) 50,19 56,19 6,00
Roberto Nóbrega (ADRAP) 50,37 56,38 6,01


O que podemos concluir daqui? Para além da conclusão de que eu devia dedicar-me a outra coisa qualquer (sem ser correr porque marcas destas pouco valem…), devemos retirar que a técnica, neste caso a técnica de passar barreiras, é fundamental. Conseguimos melhorias incríveis e resultados difíceis de acreditar.

Temos também de concluir, face à luz do que vos contei, que um atleta tem de se conhecer muito bem e compreender as suas limitações, a vários níveis. O atleta não pode ficar abatido ao saber que as tem, deve sim levantar a cabeça e tentar descobrir a melhor maneira de as ultrapassar.

Lembrem-se que há sempre inúmeros caminhos para chegarmos a um objectivo… Para mim, a nível desportivo, os ensinamentos de leste têm-me dado uma bela ajuda.

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Comentarios (4)add feed
. : zeca
O Artigo sobre o Petrov está giro e relata realmente o tipo de pessoa que ele é. A parte histórica tem pouco interesse, importava mais 'relatar' a apresentação que o mestre petrov fez (eu assiti, mas quem nao assistiu...) e esse quadro comparativo dos 400m bar com as suas próprias marcas..é ridiculo!
Março 03, 2012
Ridiculo : joaquim castanho
Artigozinho ridiculo e que pareçe ter sido encomendado.
Março 03, 2012
Resposta a "zeca" : Rafael Lopes
Peço imensa desculpa por não ter tido jeito de me fazer entender com esse quadro comparativo. Se calhar não está bem articulado com o que vinha a dizer. Mas se estava a falar da importância da técnica para mim próprio e no quanto me tem ajudado, achei que fazia sentido dar provas concretas da sua importância e, como tal, apresentar as minhas marcas, comparando com outros atletas. Mas como não está claro as razões de apresentar um quadro onde aparecem também marcas minhas, peço desculpa.
Agora daí a ser considerado rídiculo, acho que vai um grande passo.
Março 04, 2012
Ridiculo é falar sem saber : João André
Curioso é o facto de certas que pessoas que acham que sabem (quando de facto nada sabem...) virem para aqui comentar artigos que são do interesse de todos.

Qual o mal de apresentar uma tabela num artigo de opinião? Não se trata de um estudo cientifico. Aliás, se fosse um estudo cientifico assinado por algum dos "camelos" que se passeia pela FPA com um canudo que nada serve a não ser para enfeitar uma parede, já era uma coisa muito seria e com toda a credibilidade!

Também teve piada a acusação do artigo encomendado. Já agora encomendado por quem? Se calhar foi a maçonaria que está a tentar mover influencias não através da loja Mozart (que era austriaco) mas sim da loja Tchaikóvski (essa sim Russa como o Petrov)

Tirem as palas e não sejam mais burros!

Parabéns Rafael por mais um artigo isento e muito bem escrito.

João André
Março 05, 2012
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