Gestão de Alta Competição |
Domingo, 24 Julho 2011 | |||||||
Desta vez decidi deixar-vos um texto de Ricardo Andorinho, um dos melhores jogadores portugueses de Andebol de todos os tempos e um ex-desportista verdadeiro campeão fora do pavilhão. Ricardo Andorinho acaba de lançar um livro entitulado “Gestão de Alta Competição”, que dá aos leitores ferramentas e dicas para a vida das pessoas, num testemunho de esperança e crença em despertar-se a si mesmo. Este texto mostra o pão nosso de cada dia no desporto nacional, prejudicando fortemente a credibilidade dos dirigentes e, muito mais grave do que isso, prejudica os atletas e dispõe-se como uma ameaça ao desenvolvimento dos mesmos, por toda a parte psicológica afectada. Gestão de Alta Competição – Negociação (por Ricardo Andorinho) “Como venho fazendo ultimamente, tenho umas histórias de baú que penso poderem ajudar relativamente a algumas actividades organizacionais, presentes na vida de todos. Desta feita a história que vos trago marca um episódio marcante da minha vida profissional enquanto desportista. Gostava que percebessem que aquilo que aqui relato é prática normal nos mercados e que nada têm a ver com clubes desportivos, se não com a sociedade e as suas formas de actuação, em geral. A história remonta a 1998 e tem a ver com o processo negocial dos valores do meu contrato como desportista com o Sporting Clube de Portugal. Como alguns saberão, as épocas desportivas estão delimitadas no tempo entre Agosto e Junho, pelo que, nesta actividade a maioria dos processos de negociação se realiza entre Janeiro e Maio. Nesta data o director de andebol do Sporting, abordou-me com o objectivo de renegociar o contrato que ainda era válido até final da época. Mostrei abertura. Os meus objectivos passavam por permanecer ligado ao meu clube, único que conheci em Portugal como desportista profissional. O director, que já não está há muito em funções, “aventou” o valor mensal da prestação que remunerava o esforço do meu trabalho como membro da equipa sénior do plantel de Andebol. A minha resposta aos valores mencionados foi afirmativa, e somente verbal. De referir que após este acordo verbal, o referido director informou imediatamente a comunicação social especializada, pelo que no dia seguinte se podia ler nos principais jornais desportivos que eu tinha renovado contrato com o Sporting Clube de Portugal por mais duas épocas desportivas. O que, por sua vez, significava o “congelamento” do potencial interesse de outros clubes na minha prestação desportiva. Como era hábito, o contrato não foi de imediato assinado, pelo que terminei a época com a minha equipa e fui de férias descasado… Quando começámos a treinar em Agosto (já no final do mês) ainda ninguém se tinha dirigido a mim com o objectivo de assinar o contrato supostamente já em curso, pelo que insisti na sua assinatura. Não imaginava que essa reunião serviria para levar um “choque de electricidade” e aprender na pele o que se passa na realidade destes acordos negociais… independentemente de envolverem indivíduos ou empresas. Reunião: Estávamos presentes nesta reunião: Eu e 2 directores, um dos quais não fez comentários durante a reunião. O contrato a assinar estava impresso com 3 cópias, em cima da mesa de reuniões. Começo a ler o contrato, que pouco diferia dos anteriormente assinados, independentemente de, em alguns anos anteriores haver a necessidade de algumas alterações… Sabem como é! Quando chego às tais prestações remuneratórias, salário, ou dinheirinho… o contrato tinha menos 15% do valor acordado verbalmente há uns meses atrás. Ingénuo, como é meu costume, respondi: P : ”Dr. os valores estão errados. Deve ter havido aqui algum equívoco…” - No acto, nunca me passou pela cabeça, hoje quando avalio a situação penso: (Patego, santinho, parvo, e outros sinónimos…). R : Ricardo, estivemos a ler, e está tudo ok com o contrato, inclusivé com os valores. P: Dr. não foram estes os valores que acordámos. R: Achas que é pouco? P: Não é pouco nem muito. Não é aquilo que acordámos. Nesta altura este Sr. Dr. já se encontrava a falar comigo aos gritos e ligeiramente irado… esta fase da conversa pode ter durado 5 minutos entre alguns factos e argumentos fraquinhos que não interessam para aqui. Esta argumentação e forma de pressão directa, na qual o director pensava assustar-me ou obrigar-me a assinar aquele contrato, por medo, fez com que no desenrolar da conversação o referido Dr… rasgasse o contrato de trabalho à frente do meu nariz e do seu colega… numa palavra: “passou-se” e disse-me: ” Se não queres este contrato, não queres nenhum”. Ainda nesta fase, acredidata ele, que com aquele “golpe de mestre” me assustaria e lhe pedisse encarecidamente que assinasse o contrato tal como estava. Depois deste espectáculo, levantei-me da cadeira que utilizei, apertei a mão a ambos os directores e dirigi-me a casa, sem contrato, sem clube e com uma vontade enorme de contar a triste história!! À noite, o segundo director, ligou-me: “Ricardo, não faças nada que vamos resolver a situação…” Parece que o sr. Dr. que antes gritava, estava agora com medo de mim. Sabia que com 2 telefonemas todo o país desportivo conhecia a triste figura que tinha feito. Sabiam também que jogava em 3 selecções nacionais e que poderia muito bem “colocar a boca no trombone” – aquilo que estou a fazer agora, com o objectivo de defender uma perspectiva mais importante que esta história individual. A minha resposta foi: “eu não vou fazer nada, mas vocês deviam ter muita vergonha”. O contrato foi impresso novamente e os valores foram corrigidos. Eu assinei o contrato e prossegui a minha carreira… O grave de tudo isto é que depois desta situação, comecei a perceber que esta novela era prática reconhecida no sector e que a grande maioria de atletas, independentemente da relação e da necessidade do dinheiro para viver, acabava por assinar os contratos sub-avaliados. Esta história de braço de ferro tem o objectivo de validar alguns aspectos que me parecem muito importantes na nossa afirmação como indivíduos e como seres que nos relacionamos com outros, sejam eles particulares, organizações ou instituições: 1. Se não nos valorizamos profissionalmente, ninguém o fará por nós. A competitividade na sociedade é algo incontornável e serão utilizados todos os esquemas para nos passarem por cima. Sabem ao que me refiro, seguramente. 2. Qualquer processo negocial, tem a obrigatoriedade de ter aberta uma janela de negociação – padrão de procedimentos, valores e regras que justificam alguém estar sentado à mesma mesa a negociar o que quer que seja. Se uma das partes tem um preço máximo de 5 para comprar e se a outra parte não abdicar de vender pelo mínimo de 7, o melhor é cancelarem a reunião para não perderem tempo. 3. Um processo negocial deverá ter como objectivo um acordo de interesses por tempo determinado 4. O valor da informação (conhecimento) é crítico para o sucesso de um processo negocial, pois influência a forma, a argumentação e a persistência para se garantirem objectivos negociais específicos 5. O processo negocial pode ser muito fácil ou muito difícil, dependendo sobretudo dos montantes e da complexidade da prestação ou acordo Se já viveram histórias parecidas, agora, podemos partilhá-las avisando todos aqueles “ingénuos” dos riscos que correm, só por existirem e se dedicarem a determinada actividade profissional. Se trouxermos estas histórias a público acredito que podemos diminuir o número destes casos de abuso de poder e de confiança. Volto a referir que histórias que envolvem algumas destas variáveis acontecem em ambientes organizacionais diariamente, e que não pretendo atacar de forma alguma nem o Sporting Clube de Portugal, entidade a quem devo muito da minha vida e que jamais poderei retribuir (inclusivamente o meu casamento), nem as pessoas envolvidas neste processo, sobre as quais não guardo qualquer tipo de ressentimento. Tenho contudo a obrigação moral de diferenciar a instituição Sporting Clube de Portugal do comportamento de individuos que tomam decisões em nome da instituição, independentemente de pensarem que estão a fazer o melhor por ela!!! O problema das organizações está maioritariamente na área comportamental da gestão e pouco na técnica. São as pessoas e a sua atitude que afectam de forma directa a performance organizacional que resulta da inter-acção e relacionamentos, sejam estes internos ou no mercado.” Opinião Pessoal Realmente há muita gente a aproveitar-se da paixão dos outros e, nos desportos extra-futebol, parece que é uma situação mais do que normal. Sucedeu-me algo parecido quando estive no Benfica, com valores quase gratuitos… Fui para lá aos 15 anos a ganhar prémios monetários por objectivos. Era assim: Em campeonatos nacionais: 1º lugar- A€; 2º lugar num nacional – (A-B)€; 3º lugar- (A-B-C)€ Em campeonatos regionais: 1º lugar- X€; 2º lugar – (X-Y)€; 3º lugar- (X-Y-Z)€ Com alguns pódios nacionais e regionais, consegui ganhar cerca de 200 euros nessa época de 2003/2004. Para a segunda época de águia ao peito, prometeram-me o mesmo… No final dessa época, entrou a Ana Oliveira para o clube e disse-me que na época seguinte (2005/2006) se ficasse, passaria a receber 50 euros mensais, o valor de um passe (mas não me pagaram pelos objectivos da época anterior e que rondava os 300 euros...). Mesmo não tendo recebido os prémios, aceitei e fui recebendo por mês. Em 10 meses não recebi 2 meses, à semelhança de vários colegas de equipa. Nessa época fui novamente a pódios em campeonatos nacionais jovens. Na época seguinte (2006/2007), sem propostas de outros e com grande amor pelo Benfica fiquei no clube sob as mesmas condições acordadas verbalmente com o presidente da secção de atletismo (50 euros mensais). A Ana Oliveira entrou em conflito e saiu, entrando o Prof. José Abreu. Nesse ano não vi um tostão nem recebi o equipamento novo e fui campeão nacional de sub-23 e obtive um terceiro lugar no nacional de juniores. No ano seguinte, já sem vontade de ficar no clube, voltei a confiar no “projecto” face ao regresso da Ana Oliveira e fiquei mas é algo que me arrependi profundamento. Não recebi equipamentos, nem qualquer dinheiro e tinha de andar atrás da referida dirigente para ser inscrito nas provas. O cúmulo foi ter chegado ao Campeonato nacional de sub-23 e nem estar inscrito! O que fiz na época seguinte? Fui-me embora, passei a individual… Confesso que fiquei lá mais tempo do que devia. Mas que há grandes injustiças, há. E grandes aproveitadores também! Mas a culpa disto tudo foi minha porque me fui sujeitando… Eles sabiam da minha paixão pelo Benfica e foram-se aproveitando até que a minha confiança e consideração por aquelas pessoas desapareceu totalmente. Ainda bem que o Ricardo não foi assim. E só divulgo este artigo deste antigo internacional português de Andebol e o que me aconteceu porque não quero que aconteça situações destas com mais ninguém no nosso Atletismo. Saibam impôr-se e não se deixem enganar...
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