O poder do "exemplo"

Terça, 08 Junho 2010
Se existe algo a ser aprendido da História, essa coisa é o poder do “exemplo”. Se no campo da História, o exemplo passado é a fonte para a compreensão do presente e do futuro, a verdade é que, nas nossas vidas, o exemplo orienta-nos e ensina-nos em termos individuais. Ao longo da nossa vida, cada um de nós deve ter presenciado casos em que o exemplo faz, de facto, toda a diferença. Os nossos pais, os nossos professores, os nossos treinadores, os nossos ídolos, os nossos colegas de treino… Todos podem dar o exemplo mas nem todos têm consciência de que as acções são mais fortes do que as palavras e passam o dia enganados: falando e agindo de forma divergente.

Sabedoria popular – "Tal pai, tal filho" é uma expressão muito conhecida e é muito ligada às semelhanças físicas entre pais e filhos. No entanto, para mim faz ainda mais sentido se a relacionarmos com as semelhanças de comportamentos porque os grandes exemplos das crianças, na primeira década de vida (pelo menos), são os pais. É indiscutível que "ilho de peixe, é peixinho" e, entrando mais na vida animal, podemos dizer que os filhos são autênticos "macaquinhos de imitação". De certeza que tal fenómeno tem explicações científicas complexas mas espero não cometer nenhum erro ao lhe designar de lei natural da vida.

Um dos vídeos mais marcantes na minha vida foi "Children learn from parents" (está disponível no youtube) e mostra bem que as acções falam mais alto do que as palavras. O ditado "Faz o que te digo e não o que faço" perde significado porque nunca será assim e as crianças fazem o que vêem. De facto, estamos posicionados sobre o ditado de "Uma imagem vale mais do que mil palavras" e quem ocupa posições de dar exemplos na vida de alguém tem de ter a consciência disso.

Sabedoria filosófica – Tenho a certeza de que a tarefa mais difícil para quem dá o exemplo é aperceber-se de que em todo os momentos pode ser observado. Existe um belo texto online com o título "When you Thought I wasn’t looking – by a Child" e expõe maravilhosamente este tema. Numa das passagens do texto vem escrito: "Quando pensavas que eu não estava a ver, eu vi as lágrimas caírem dos teus olhos e aprendi que às vezes as coisas doem, mas não faz mal chorar", o que dá enorme valor ao ensinamento do filósofo grego Epicuro, que no já três séculos antes de Cristo dizia aos seus pares: "faz tudo como se alguém te contemplasse". Todos, sem excepção, devem seguir este ensinamento mas na temática desportiva, esta frase dirige-se especialmente aos treinadores.

Treinador como exemplo – Se para os atletas adultos, o poder do exemplo já não é tão significativo, a verdade é que todos já foram jovens e, em certa altura das suas vidas, os treinadores foram "modelos", exemplos. Conheço casos de treinadores que são mais do que pais para atletas e isso não acontece porque o treinador é super especial mas acontece infelizmente por lacunas a nível familiar. Quando isto acontece, o treinador começa a ser o exemplo dos miúdos e tem de ter em mente esse aspecto. O meu amigo Celestino Dias, treinador da SFRAA, é um bom exemplo do treinador que tem de ser um "exemplo" para os seus atletas, obrigatoriamente! E acho que o cumpre com distinção, reconhecendo-se nele uma paciência de santo pois a sua tarefa de treinar largas dezenas de miúdos da Amadora não é fácil... O Celestino foi meu colega de treino na altura que treinávamos com o João Azevedo e, por isso, também sei que teve um bom "exemplo" enquanto treinador.

De facto, olhando para trás, tive a sorte de, até hoje, ter tido sempre bons exemplos como treinadores dos quais destaco o Rui Gonçalves (antigo lançador e naturista de profissão), João Azevedo (antigo velocista) e Raposo Borges (antigo saltador com vara). Foram todos atletas com excelentes resultados e souberam estar à altura do que se exige a um treinador: responsabilidade, dedicação, conhecimento e competências inter-pessoais das quais gostaria de abordar o "saber-ouvir". Muitos treinadores pensam que o atleta falar e "discutir" o plano, nomeadamente a carga ou um exercício, é uma insubordinação e uma falta de humildade por parte do atleta (eu já fui acusado disso…por isso sei do que falo) mas estão errados! Os melhores treinadores são, sem dúvida, aqueles que escutam os atletas individualmente e basta ir ao Estádio Universitário e ter a sorte de acompanhar o treino do nosso campeão olímpico de triplo salto, Nelson Évora, para validarmos esta opinião.

O atleta como exemplo – No início, escrevi que todos podem dar exemplos e, realmente, cada um de nós, enquanto atletas (colegas de treino, adversários, etc) deve estar comprometido a ser um exemplo para os outros. Se nos quiserem olhar como exemplo para as vidas deles, tudo bem, se não quiseram, tudo bem na mesma. Mas o que interessa é a nossa atitude. Estamos dispostos a ser exemplos ou não? Se estamos, temos de dar o que de melhor temos. Temos de partilhar conhecimentos, não dizer apenas "estás a fazer esse exercício mal" mas dizer "estás a fazer mal porque isto e aquilo. Tens de fazer assim porque…". Claro que a nossa tarefa de sermos exemplos, enquanto atletas, para os outros está dificultada pelo facto de não sermos treinadores e, tendo a experiência de treino noutro país, posso assegurar que aqui, em Portugal, sinto mais dificuldade em dar a minha opinião a colegas de treino do que lá.

Na Polónia, o meu colega de treino Arek, estudioso dos movimentos biomecânicos consegue ver detalhes da técnica de corrida ao pormenor. O treinador Marcin apenas vê a "fotografia panorâmica", havendo a complementaridade de saberes. Todos damos a opinião e discutimos sobre o que corre bem e o que corre mal e penso que esse é o caminho para o sucesso.

Em Portugal, sinto-me mais constrangido em dar a minha opinião porque há a ideia de que só o treinador é que sabe. E há o medo de dar uma opinião contrária ao treinador e, nesses casos, surgem grandes problemas. Expressões como "mas quem é o treinador?!" são as mais simpáticas que podemos ouvir nessas situações…

Então, como é que podemos partilhar conhecimento se há imensas barreiras implícitas? Parte do treinador e da sua disponibilidade em dar o exemplo, o exemplo de alguém que deposita confiança nos atletas e que lhes concede abertura. Tem de ser alguém que não segue unicamente os livros já que o conhecimento tácito, o que proporciona maiores avanços, é dificilmente escrito. O extraordinário prof. Moniz Pereira que o diga… e, mesmo assim, formou grandes campeões.

| Mais
Comentarios (0)add feed
Escreva seu Comentario
quote
bold
italicize
underline
strike
url
image
quote
quote
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley
Smiley


Escreva os caracteres mostrados


 
< anterior   Seguinte >









facebook atleta-digital rss atleta-digital
 
SRV2