Correr contra um "drogado ambulante"

Quarta, 05 Agosto 2009
Depois de competir em Bydgoszcz num meeting de segunda categoria na Polónia, tive boleia do meu actual colega de treino Arek. E não pude deixar de notar no livro que ele tinha no carro: “Race against me: My story”, uma autobiografia de Dwain Chambers. Comecei a ler e não consegui mais parar já que a narração, num inglês mal escrito (com falhas básicas de espaçamento, pontuação, etc…) tem simplesmente uma rota: Doping. E sendo este um assunto tão delicado, é impossível falar sem ler o que dizem os protagonistas do desporto envolvidos em escândalos daquela natureza. Por isso li o que Dwain Chambers escreveu.

Dwain Chambers



Inocentemente incongruente – Nos primeiros capítulos o sprinter britânico nascido em Islington, no centro de Londres, conta a sua infância e de como todos o viam com um potencial tremendo. Com 11 anos já ganhava a rapazes de 14/15 anos mas cedo começou a dar explicações para a decisão que tomaria mais tarde. Nunca teve uma figura paternal: o pai abandonou cedo a família e Dwain nunca teve uma boa relação com o padrasto, tendo aos 18 anos passado a viver sozinho já que “ou saía o padrasto ou saía eu”, segundo palavras do próprio. Nessa altura, já ele ganhava tudo o que tinha à frente e era visto como o sucessor de Lindford Christie. Como juvenil ganhou duas medalhas de ouro (100m e estafeta 4x100m) nos Campeonatos da Europa de Juniores em 1995, feito que repetiria dois anos mais tarde, mas ainda com mais brilhantismo. Correu os 100m em 10,06s (!) marca que na altura foi record europeu e melhor marca mundial do ano de juniores. O atleta que era uma esperança já era uma certeza.

Em 1998, no seu primeiro ano de sénior, Chambers participou nos Campeonatos Europeus em Budapeste e foi segundo (10,10s) perdendo apenas para o seu compatriota Darren Campbell. No entanto, nessa época correria em 10,03s e baixar dos 10s seria uma questão de tempo. Conseguiu fazê-lo no ano seguinte, primeiro com 9,99s (tornando-se o segundo europeu a correr em menos de 10s) e, mais tarde, nos Mundiais de Sevilha com 9,97s marca que lhe valeu a medalha de bronze.

Nos dois anos seguintes, continuou a estar entre os melhores mas falhando sempre os grandes pódios para os sprinters do outro lado do oceano Atlântico. E foi o desejo de medalhas de ouro que o fez partir para os Estados Unidos, onde treinaria no grupo de treino da Kelly White (da qual seria namorado durante certo período da sua vida). Mudar-se para os States seria a pior decisão da vida de Dwain, segundo o próprio. Foi lá que, escreve Dwain, ouviu falar pela primeira vez em esteróides, anabolizantes, etc… Será possível? Será possível que o jovem Dwain Chambers cujo sprinter que mais tinha admirado na sua vida era Ben Johnson (após aquela final fantástica em Seoul), nunca tenha ouvido falar de doping antes de 2002? Será possível que alguém que correra 10,06s em júnior e andava entre os melhores do mundo, nunca tenha ouvido falar de doping? Não faz sentido... Seria Chambers um rapaz tão inocente assim que não sabia o que era isto e aquilo? Não ter conhecimento do que se passava à volta é verdadeiramente estranho. Só se no Reino Unido, não haja partilha de informação entre atletas. Noutros países é o contrário e muitos sabem o que os outros tomam e quando e como o fazem…

Chambers diz que no livro está só e nada mais que toda a verdade mas esta parte da história não bate certo…

Segregos do “Uncle Sam” – Dwain partiu para os States sob a condição de “menino bonito” da velocidade europeia mas sempre batido por atletas baseados nos Estados Unidos nos momentos importantes. Ele queria saber quais as técnicas e métodos de treinos daqueles cujas sapatilhas quase deitavam fogo nas pistas. Se bem que o treino dum sprinter americano é bem diferente do sprinter europeu, cedo se apercebeu que havia uma coisa extra mas que fazia toda a diferença: o trabalho de casa… Ou será melhor dizer trabalho de laboratório? Nem um mês tinha passado na América quando Victor Conte (fundador da BALCO) apareceu-lhe com um saco com drogas, dizendo a Chambers que durante toda a vida foi enganado por batoteiros, por drogados e explicando-lhe das suas novas descobertas laboratoriais. No seu livro, Dwain diz que confiou desde logo em Conte, o qual se tornou na figura paternal que nunca tivera. E querendo equivaler-se aos campeões, aceitou entrar num programa “nutricional” com substâncias que não eram doping por não constarem da lista de substâncias ilícitas. Pelo menos foi isso que Victor Conte lhe assegurou e um “filho” confia sempre no seu “pai”! “Ele era um fármaco, dizendo-me que os atletas deviam competir ao mesmo nível desde que os esteróides e drogas fossem supervisionados” escreveu Chambers no seu livro.

O THG era desde o final da década passada um dos segredos mais bem escondidos dos atletas de elite como Marion Jones, Kelly White ou Regina Jacobs… E podia muito bem ter permanecido como tal até hoje em dia não fosse alguém de dentro ter dado com a boca no trombone… E esse alguém foi Trevor Graham, na altura treinador de Marion Jones e Tim Montgomery e que mais tarde levaria Justin Gatlin a campeão olímpico… Mas também apanhado no doping por duas vezes.

Panóplia de drogas – A verdade é que mesmo sendo o THG o esteróide mais eficaz, este foi acompanhado por mais outras substâncias ilegais. Chambers iniciou-se na testosterona/epitesterona (sob a forma de creme), EPO, hormona de crescimento humano, insulina, entre outras. Tomava tudo o que estava no regime, sem saber quais os seus prós e contras. Mas cedo, as combinações de drogas (mais de 300, segundo o próprio) começaram a ter os efeitos associados. Chambers começava a vencer meetings importantes à frente do então indiscutível número 1 da velocidade, Maurice Greene. Mas tudo graças a noites sem dormir, ansiedade e mudanças de estado de humor e agressividade repentina. Citando palavras do próprio: “às vezes estava sentado a ver tv e sem dar conta estava no chão como se tratasse de um ataque epiléptico. Cãimbras no estômago durante horas, agoniantes! Muitas vezes pensei que ia morrer, sentia que me estava a matar. Era muito emocional aquele sentimento de estar à beira da morte, jogando roleta russa com a minha vida… E para quê?” questionou Chambers. Resposta fácil, caros leitores… Muito fácil: “Para ser número 1, para ganhar dinheiro” confessou o atleta britânico.

Entretanto Chambers começara uma relação com Kelly White e as mudanças de humor de ambos eram constantes, levando a discussões por tudo e por nada. Numa hora discutiam sem motivo, na seguinte estavam como se nada tivesse acontecido e riam de tudo. Foi aí que ele começou a ficar com dúvidas sobre o programa mas como já tinha sido testado tantas vezes e nunca tinha sido apanhado, pensou que estava tudo bem porque estava perto de ser o número 1... Só não sabia que Trevor Graham já tinha enviado uma seringa com a substância para a Agência Norte-Americana de Anti-dopagem de modo a criarem um teste eficaz para a mesma.

De 9,97s nos 100m corridos em 1997 limpo, Dwain correu-os em 9,87s com drogas, igualando na altura o ainda record europeu de Lindford Christie (record que o nosso Obikwelu bateu em 2004).

Chambers descreve-se nessa altura como um “Drogado Ambulante”, sentindo medo de ser apanhado nos voos que fazia tanto eram as drogas que transportava na sua bagagem. Ironiza o britânico que tanta quantidade era suficiente para matar um elefante.

Exemplo mal aproveitado - A minha pergunta mantém-se! Vale a pena arruinar a vida para ganhar dinheiro? Eventualmente, algum dia tudo será descoberto. Mas duvido que passe na cabeça destes atletas virem a ser descobertos e quais os efeitos adjacentes… Mas deviam!

Tomem este exemplo do Dwain Chambers. Tinha tudo! Dinheiro, fama, patrocínios, mulheres e depois de ser apanhado ficou sem nada. Todo aquele tempo de batota e abuso de drogas não só contribuíram para estragar a saúde mas também a sua vida e da vida dos que o rodeiam. Por duas vezes pensou suicidar-se (não sabendo ele que já ele tinha começado esse processo desde o momento que enveredou pelo doping...). Teve de devolver todo o dinheiro ganho em meetings corridos com doping… Acabou falido…

Porém teve a coragem de contar tudo o que fez; o plano de cocktail de drogas, os dias de uso, as dosagens, como esquivar-se a testes, etc… Ofereceu-se para ajudar a combater mais eficazmente o doping mas o prémio que recebeu foi a ostracização dos Jogos Olímpicos para sempre. Ou seja, a Grã-Bretanha não quer ajuda de alguém que teve dentro e sabe como tudo funciona? Por exemplo, a diferença de tratamento que teve Christine Ohuruogu é algo que não consigo conceber! E só me leva a crer que há alguns atletas britânicos que andam a ser protegidos…

Porque claro que há quem nunca seja apanhado e que tenha uma vida longa… Mas vale a pena correr o risco? Ainda hoje li uma frase que me ficou na cabeça e que só pode estar na cabeça dos atletas dopados: “Por vezes, há coisas que para viver, vale a pena morrer”. Será mesmo assim?

Nota: Aconselho a todos comprarem o livro. Sem ter qualquer comissão por fazer publicidade ao livro, julgo ser de leitura obrigatória para todos os que se querem informar sobre os bastidores do nosso desporto.

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