Correr contra drogas

Quinta, 09 Julho 2009
James Carter, atleta norte-americano de 400 metros barreiras, mundialmente conhecido, decidiu abandonar o seu evento e numa entrevista, após os Campeonatos do seu país, confessou-se “cansado de correr contra drogados”. Muitos comentaram que “alguém tinha de dizer” o que se passa no atletismo. Mas porquê esperar para o fim da carreira para finalmente desabafar algo que já tinha na alma desde há dez anos?

James Carter – James Carter foi um dos principais rivais de Félix Sanchez aquando do reinado de 43 vitórias consecutivas do dominicano. Na sua carreira, conta com três vitórias nos difíceis Campeonatos dos EUA, uma medalha de prata nos Mundiais de Helsinquia 2005 e por duas vezes foi 4º nos Jogos Olímpicos (Sidney e Atenas). Com um recorde pessoal de 47,43 segundos Carter só lamenta não ter uma medalha olímpica mas diz que consegue viver com isso. O que não consegue mais é correr contra drogas, segundo palavras do próprio.

Drogas e contractos - Quem ousar pensar que o atletismo está limpo em termos de drogas, está enganado. Milhares de atletas recorrem a substâncias ilegais e não se percebe como só poucos são apanhados. Recordo-me do mais recente escândalo no ciclismo. Bernard Kohl foi apanhado com CERA e suspenso por dois anos. Não querendo viver na mentira, Kohl decidiu não voltar a pedalar e mostrou-se disposto a colaborar com as autoridades, revelando o seu passado de doping. Desde os 19 anos que tomou substâncias ilegais e em 200 controlos, 198 nada mostraram mas nem o próprio ex-ciclista sabe como. Kohl adiantou que pelo menos metade deveria ter acusado positivo...Com afirmações destas, a credibilidade dos controlos para testar o uso de doping é fortemente abalada.

O próprio James Carter escreveu no seu site que quem pensar que o atletismo está mais limpo desde o escândalo Balco é porque realmente não está com atenção ou porque não se interessa. Viver simplesmente do atletismo, como doutro desporto amador qualquer, não é tarefa fácil e Carter diz que não põe a culpa em ninguém mas sabe que nunca fez o que era suposto. E o que era suposto fazer? Nada mais do que tomar substâncias ilegais para melhorar a sua performance. A ser verdade, é uma atitude louvável mas porque é que o Carter diz que era suposto dopar-se?

Talvez a explicação resida na volatilidade com que aparecem novas estrelas. Após o recorde mundial dos 200 metros de Usain Bolt nos Jogos Olímpicos, perguntaram a Michael Johnson quantos anos iria durar esse novo recorde. E, sem espanto para quem conhece o atletismo, Johnson referiu que ninguém sabe. Podia ser amanhã, daqui a um ano ou até nunca. Se nos lembrarmos que o mundo dizia que o recorde mais difícil de bater no atletismo eram os 19,32 de Michael Johnson, facilmente percebemos que temos de mudar as nossas mentalidades já que vão sempre aparecendo atletas formidáveis, quase que vindos “do nada”. E os patrocinadores estão sempre à procura da novidade...

Haverá sempre atletas a tentar ganhar vantagem no desporto pois procuram pelos contractos mais chorudos e duradouros. Quem não gostaria de ter muito dinheiro e fama? Já em 1968, Andy Warhol (uma das maiores figuras do movimento PopArt) dizia que o significado de felicidade no futuro seria 15 minutos de fama… Será que já estamos nesse período?

Se ainda não estamos, para lá caminhamos mas se a fama não é importante no desporto, o dinheiro é! No desporto de alta competição, os atletas precisam de dinheiro para se preparem de modo a terem resultados. E só têm resultados se conseguirem treinar bem. E treinar bem implica ter alguém por trás. Isto é, um patrocinador, um clube (em Portugal, só o Sporting!), uns pais ricos, etc… Tudo o que conseguir satisfazer as necessidades dos atletas na sua preparação. E não é fácil…

James Carter sabe o quanto difícil é arranjar contractos e, sabendo que o seu contracto com a Nike termina esta época, sabe que a idade já começa a pesar e sabe que mesmo a Nike estaria relutante em renovar-lhe o seu contracto. E se isto acontece com um grande atleta aos 32 anos, facilmente percebemos a pressão a que os atletas estão sujeitos indirectamente. Aos patrocinadores não interessa como nem porquê mas os desportistas têm que ter resultados! E o doping pode ser um verdadeiro aliado na obtenção dos resultados e do dinheiro necessário. A fama vem por acréscimo.

Drogas e moralidade – Será que vale mesmo a pena? Ganhar dinheiro, dando cabo do corpo? Basta ver o que acontece com muitos atletas que chegam aos 40 – 50 anos e começam a falecer ou a ter dezenas de problemas de saúde. Não é moral tomar drogas e é possível ser dos melhores do mundo sem o recurso de substâncias ilícitas. Marcin Urbas, com quem tenho o privilégio de ser treinado actualmente, foi um dos poucos homens brancos que baixou dos 20 segundos e olhou-me olhos nos olhos ao dizer-me: “É possível correr rápido sem doping. Eu sei porque corri 19,98s sem tomar drogas.” Claro que as mentiras no atletismo são grandes mas pela forma como me disse e como me olhou nos olhos, sei que o Marcin não mentiu. E seguindo uma carreira correcta, também se viu com problemas de contractos no inicio desta época e por isso decidiu acabar a carreira aos 31 anos…


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