A humildade dos nossos campeões

Quarta, 25 Fevereiro 2009
Quando vai para o ar um documentário ou uma notícia sobre alguém que se destaca no Desporto, há sempre a mesma sensação de “Dejá Vu”! Há um traço característico que vem sempre colado independentemente de ser verdade ou não: A Humildade. E, muitas vezes, vem sem qualquer contextualização; o que interessa é aparecer para endeusar mais os nossos campeões.

Jogos Olímpicos - Actualmente, Portugal é um paraíso e todos os seus campeões são de uma simplicidade extrema que até assusta outras nações que se preparam para os Jogos Olímpicos… da Humildade. Até a mim me assusta (!) porque iríamos bater todos os recordes de medalhas se bastasse olhar para os meios de comunicação portugueses! É neste ponto que está a estratégia da vitória portuguesa porque fazer juízos de valores sobre o que não conhecemos raramente nos leva ao resultado certo. E o resultado certo já não nos daria tantas medalhas, podem acreditar. Também podem argumentar que um jornalista é isento mas quando se narra que uma pessoa é simples, humilde ou boa, isso já entra no campo da opinião pessoal. E é isto que se passa nas notícias sobre os nossos melhores desportistas, fazendo mesmo os grandes heróis de banda desenhada morrer de inveja.

Como tal, se continuarmos a seguir este “modus operandi”, sem dúvida que seremos uma potência nessa versão das Olimpíadas. Mas não seria melhor que fossemos tal potência pelo verdadeiro carácter dos nossos campeões e não pelas agendas a que são “obrigados” pelas suas agências e clubes? Sim, penso que sim, porque tomar certas acções só porque se não o fizerem, não recebem o dinheirinho, faz com que a humildade aos olhos dos jornalistas se torne em hipocrisia perante os meus olhos.

Não querendo entrar em domínios que não conheço, tenho que referir que, pelo que já fui assistindo (sobretudo no futebol), graças aos meios de comunicação se fazem grandes desportistas e graças aos mesmos muitos deles são atirados para o lixo.

Diferença – Claro que no atletismo é diferente e aí reside muita da admiração por esta modalidade. Não há árbitros ou factores externos (exceptuando talvez os subsídios em atrasos e tratamentos deficientes a lesões…) que impeçam bons resultados mas quando ouvimos tantas pessoas, que nunca tiveram sequer perto de um “Cristiano Ronaldo”, dizer “Ah ele é tão querido, tão humilde...” leva-me a crer que algo está mal. Eu realmente creio que a culpa está nos “media” e unicamente nos “media” e numa falsa imagem criada por quem tem dinheiro.

Demorou mais tempo do que eu esperava para que vissem o verdadeiro carácter do desportista referido acima e a culpa não morreu alheia. Com efeito, existe uma grande diferença que um amigo e colega de equipa na altura referiu e que consiste em: Se temos um amigo que diz antes duma competição “Vai ser fácil. Nunca perdi com os que estão cá”, apenas o achamos super confiante e determinado… Mas se ouvimos tal frase de alguém que não conhecemos, sentimo-nos incomodados e achamos muito arrogante e própria de alguém convencido.

Egoísmo, Inveja e Honestidade – O Mr. Michael Jordan disse uma frase que me ficou na memória: “Para ser bem sucedido tens de ser egoísta, doutra forma nunca consegues. E quando chegares ao topo, tens de deixar de ser egoísta. Fica próximo, fica em contacto, não te isoles”. Talvez por isso é que um/a treinador/a, no seu grupo de treino, consegue ver no seu melhor atleta uma humildade extrema (mesmo quando aquele/a ignora os atletas que não fazem parte de selecções nem participem em estágios nacionais) mas olha para um atleta normal que luta imenso mas não chega ao topo, como um “atleta que precisa de ser bem mais humilde” (mesmo quando se verifica que tem uma boa relação com todos). Passei eu próprio por essa situação e parece ser ridículo que, actualmente, no grupo de treino do qual fazia parte, estão atletas que são capazes, por si só, criar o estereótipo do “Super Arrogante”. Há formas de andar e corridas de aquecimento que deixam mesmo muito a desejar em atletas que ainda nem aprenderam o ABC deste nosso desporto. Talvez sejam muito humildes e só queiram ser o centro das atenções. Há sempre essa hipótese.

Lembro-me perfeitamente que, na altura da fornada de atletas nascidos de 1985 a 88 do S.L. Benfica que ganhou tudo e mais alguma coisa nos escalões jovens, fomos vítimas desse estereótipo. Todos os outros clubes olhavam para nós como um bando de arrogantes e “armados” e até celebraram a nossa única derrota colectiva em Juniores (durante 4 épocas). Foi em 2003/04 na Pista Coberta de Espinho e estavam atletas doutros clubes a provocar-nos à saída, cantando músicas de apoio ao Marítimo (que nos venceu) e a tradicional “SLB SLB, a … que se vê”.

Um psicólogo diria que existem imensos factores para explicar tal comportamento mas acho que o egoísmo é um dos principais. De facto, querer ser o melhor para vencer as provas é uma atitude verdadeiramente egoísta e quando há alguém que nos “rouba” esse prazer, nasce o sentimento de revolta que acaba por desembocar na inveja. E das coisas que mais encontramos ao longo da estrada das nossas vidas, são sinais de perigo como a inveja…

Ao longo destes anos todos enquanto atleta, eu próprio já senti o que a inveja provoca em mim mesmo. Tudo começou por não ter ido ao FOJE quando havia um lugar em aberto para dois atletas que o disputavam. Eu era um deles, no Salto com Vara, e o Pedro Fontes (Zona Azul) era o outro, para os 200m e acabei por ser eu a ficar em Portugal. Sem nos conhecermos, fui remoendo e encontrámo-nos numa prova em Beja (300m) onde levei uma valente tareia, cerca de dois décimos. Mas vi uma atitude que não gostei e fui para o meu blog dizer coisas que não devia (e das quais estou arrependido). Passado um ou dois meses depois, o Pedro encarou-me. Claro que nessa altura, o assunto já estava encerrado para mim, mas com tal gesto, fiquei mesmo envergonhado. Vergonha por ter tido inveja e é, talvez, essa vergonha que nunca me tenha deixado ir falar com ele novamente. Vergonha porque agora sei que sou muito melhor do que esse rapaz que já fui em tempos.

Era bom que os nossos campeões soubessem olhar para as suas posturas e questionarem-se se têm ou não o rei na barriga. Ser mais honesto e autêntico com quem os admira, não deve custar assim tanto… Mas talvez exista medo de perderem admiradores se revelarem o seu próprio Eu. Será que isso aconteceria?

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Gestão de emoções : Tiago Martins
Não sou atleta (ou melhor, não sou federado), mas sou amigo de alguns ex-federados que passaram ao lado de "possíveis carreiras" desportivas, por terem desistido em júnior.

smilies/grin.gifesde cedo acompanhei um irmão federado noutro desporto, na natação.
Já desde as camadas infantis era visível a rivalidade entre equipas, onde tipicamente os grandes clubes como o SCP eram compostos de autênticas máquinas "sobre-dotadas" (ou à frente do seu tempo, chegando a sénior a história pode ser outra...).

Invariavelmente havia um grupo de "imbatíveis" (a elite) e depois haviam os outros...

Para mim, mesmo sendo mais velho, era complicado gerir estas emoções. Eu via o empenho de muitos miúdos (e do meu irmão), nas suas lutas individuais. A competição nas camadas jovens é dura e cruel, e julgo até ingrata para milhares de jovens por este país.

Num desporto individual, em que só um vence, é inevitável surgirem estes sentimentos. Quem vence sistematicamente é imediatamente julgado por todos os restantes, e não poucas vezes são visíveis comportamentos que dão a ideia de arrogância e presunção. Chega-se ao ponto de se achar que se é mais ou melhor que os outros só porque se obteve uma melhor marca, quando o que realmente mede o nosso carácter são os nossos comportamentos e não somente os nossos resultados desportivos.

E claro, compreendo a inveja que surge entre equipas e até mesmo entre companheiros de equipa. Até eu que sou um mero espectador invejo as capacidades desportivas dos federados, mesmo sabendo que são muitas das vezes trabalhadas até à exaustão com esforço e dedicação. Haverá sempre uns mais capazes que outros, e por isso estas invejas são naturais e inevitáveis.

O que não podemos nunca esquecer é que todos aqueles que se submetem à "chacina" da competição federada são desde logo todos pessoas de valor, e portanto todos estes sentimentos negativos, inúteis.

Ser o 2º melhor, ou o 3º melhor (ou 4º ou 5º etc) é já desde logo ser dos melhores, quer seja a nível nacional ou regional. Por isso, só temos é que reforçar a nossa auto-estima e não nos deixarmos abalar com futilidades.

Claro que para quem está de fora, é fácil relativizar e distanciar, mas quando temos de levar com uma imagem criada pelos media, em que uns são endeusados e outros simplesmente ignorados, a coisa torna-se mais difícil.

Contudo os princípios são os mesmos.

Em vez de ser apenas dentro da comunidade restrita dos atletas, familiares e treinadores, junta-se agora uma imagem mediatizada para as grandes massas, que pouco sabem ou podem avaliar o carácter dos "novos ídolos", até porque não têm oportunidade de conhecer essas pessoas.

Peço desculpas pelo longo comentário, mas já há muito tempo que vinha também a debater-me com este problema de gestão emocional.
Fevereiro 27, 2009
Muito Obrigado : Rafael Lopes
Não é preciso pedir desculpa. É sempre bom receber feedback e ser complementado com a maior da pertinência. Obrigado.

Um abraço
Fevereiro 28, 2009
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