Dá para acreditar? |
Sábado, 21 Setembro 2013 | |||||||
“É possível vencer uma medalha olímpica sem tomar doping? Sim, eu sou prova disso…” À medida que vou lendo biografias e entrevistas de grandes lendas do atletismo, esta é uma ideia bastante comum. Nunca ninguém tomou algo ilegal e nem mesmo sequer considerou tomar algo para melhorar a performance física. Dá para acreditar? Com uma época de 2013 em que foram descobertos inúmeros casos de doping, incluindo grandes figuras da velocidade mundial - Asafa Powel, Tyson Gay e Sherone Simpson, Veronica Campbell-Brown – e 31 casos de um país apenas (Turquia) torna-se incrivelmente estranho acreditar num Desporto puro. Agora quando ouço, por exemplo, o Usain Bolt a declarar-se 100% natural e que nem sequer toma suplementação ou vitaminas, eu já só ouço “blá blá”. É mais do mesmo. Dá para acreditar? As federações internacionais/nacionais reconhecem que a queda de muitos heróis relacionada com o Doping provoca um clima de suspeição nos desportos e dizem que estão muito preocupadas com o fenómeno mas quem é que, para além dos próprios atletas, mais beneficia de performances espectaculares? Não é preciso pensar muito… São essas organizações, são os próprios países pois atraem a atenção do público, o que por si só, faz disparar o valor de mercado de qualquer coisa relacionada que se queira vender, quer seja umas férias, uns bilhetes para Campeonatos, uns direitos de imagem, etc... Sabemos que há a ideia generalizada de que o Atletismo é a modalidade rainha dos Jogos Olímpicos e isso deve-se a resultados inspiradores por parte de nomes como Jesse Owens (4 ouros em 1936), Emil Zatopek (3 ouros em 1952 nos 5000 m, 10000 m e maratona!!), Alberto Juantorena (medalha de ouro nos 400 e 800 metros na mesma edição em 1976!), Carl Lewis (9 ouros, 4 dos quais em 1984), Michael Johnson (4 ouros, 2 dos quais em 1996 nos 200 m e 400 m!), Kelly Holmes (2 ouros em 2004 – 800 m e 1500 m!), etc… E agora Usain Bolt com 6 medalhas de ouro, o único homem que conseguiu defender com sucesso os títulos olímpicos nos 100 m e 200 m, para além de estar na estafeta de 4x100 m da Jamaica. Só de se saber que vai ao Rio de Janeiro em 2016 tentar vencer mais três ouros aumenta o interesse do público e dos patrocinadores e, consequentemente, dos vários milhões de euros. No entanto, é interessante mas estranho notar que, logo após os casos de Gay e Powel terem sido tornado públicos pelos próprios atletas, vieram altos nomes afirmar que Usain Bolt não tem tratamento especial e que, caso tenha um controlo positivo, esse não será abafado. Primeiro, porque é que vieram logo a público com essas conversas. E segundo, dá para acreditar? O Doping ou o uso de substâncias que melhoram o rendimento físico não é nada de novo. Há aquela noção (utópica da pureza) dos Jogos Olímpicos mas na Grécia Antiga, já se tomavam bebidas especiais e poções “mágicas” de forma a obter uma vantagem competitiva! Nos primeiros Jogos da Era-Moderna, em 1904, os atletas consumiam misturas de cocaína, heroína e estritcina. Durante imenso tempo, usar drogas não era considerado batota até que nos Jogos Olímpicos de 1960, Knut Jensen, ciclista holandês, desmaiou durante a prova, partiu o crânio, morrendo consequentemente. A autópsia revelou uma mistura de drogas pesadas e este caso fez com que o Comité Olímpico Internacional estabelecesse um Comité Médico e começasse a estabelecer as primeiras regras anti-doping. Os controlos seriam apenas introduzidos nos Jogos Olímpicos de 1968, com o objectivo primário de proteger a saúde dos atletas, impedindo possíveis overdoses. Com o passar dos anos começaram a focar-se na “integridade” dos Jogos… os testes até 1999 eram controlados pelo Comité Olímpico norte-americano e os casos eram julgados pelas suas organizações desportivas nacionais. Ora, era claro que as federações queriam promover os seus desportos, pedir subsídios e patrocínio e fornecer a qualidade de espectáculo desportivo que os fãs estão à espera. Nenhum desporto queria (nem quer) uma reputação suja, e as entidades oficiais dificilmente denunciariam as suas estrelas. Em 1984, a poucos meses dos Jogos Olímpicos de Los-Angeles, o Comité Olímpico norte-americano realizou um programa informal de controlos anti-doping aos seus melhores atletas e documentos confidenciais tornados públicos por pessoas que participaram nesse programa referem que, pelo menos, 34 estrelas do atletismo norte-americano tiverem testes positivos. Nenhum dos atletas foi punido! Pelo contrário, todos os atletas foram informados dos seus testes positivos e foram “avisados” que caso testassem positivamente nos Trials e nos Jogos Olímpicos, teriam suspensões da competição. Mas mesmo nos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles, houve amostras recolhidas a atletas americanos que desapareceram misteriosamente. Incluindo amostras da “lenda” Carl Lewis… que venceu 4 medalhas de ouro nessa edição dos Jogos Olímpicos… É vergonhoso sabendo o que esse organismo norte-americano fez no caso Ben Johnson 4 anos mais tarde em Seoul! ![]() De forma a “lutar” contra este conflito de interesses, nasceu em 1999 (só em 1999! Dá para acreditar?), a Agência Mundial de Anti-Dopagem (WADA) com o ideal de proteger a integridade da competição e de salvaguardar os direitos dos atletas “limpos”. Só que a eficácia dos testes nos dias de competição provou-se nula. Lembram-se da entrevista de Lance Armstrong à Oprah? Os atletas podem “carregar” para dentro dos seus corpos todas as substâncias ilegais à disposição para aumentar a força, a massa muscular ou a resistência que lhes permite treinar brutalmente, e parar um quantos dias antes da competição de forma a enganarem os controlos. Por exemplo, a EPO continua a melhorar o rendimento físico mesmo após deixar de ser detetado no corpo. Por essa razão, começaram os testes fora de competição com os atletas internacionais a terem de informar as suas moradas, os seus locais de treino e as suas deslocações. Mas, mesmo subindo o risco de se ser apanhado, há quem arrisque e escape… Mas será que é por causa disso que se diz “É muito mais dificil de se permanecer no topo do que lá chegar ”? De facto, um atleta desconhecido pode dopar-se à vontade e treinar como um leão, ter o tal período de “desmame” e chegar a campeão mundial. Depois deixa de ter uma vida calma e fica sujeito a testes-supresa fora de competição. Nunca mais repete os mesmos resultados… Quantos casos destes existem? Eu gostava que cada vez diminuissem mais e julgo que o passaporte biológico vai aumentar esse número! Enquanto os controlos anti-doping funcionam como radares espalhados pelas auto-estradas – facilmente enganados se soubermos onde estão posicionados – o passaporte biológico funciona como um controlo entre dois pontos. O passaporte biológico “em vez de te querer apanhar em excesso de velocidade, mede quanto tempo demoras do ponto A para o ponto B e depois calcula a que velocidade foste” nas palavras de Daniel Eichner, antigo director da Agência Norte-America de Anti-Dopagem. Para ser honesto, acho que todos estes avanços de louvar na luta anti-doping podem criar um sério problema. Será que vai diminuir o “prazo de validade” das estrelas? Será que vamos passar a ter cada vez mais atletas a quererem aqueles 15 minutos de fama de que falava o excêntrico Andy Warhol? Será que atletas como Haile Gebrselassie e Marlene Ottey, cuja longevidade das carreiras ao alto nível impressionam e inspiram qualquer pessoa, vão deixar de existir?
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