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O sucesso do Projeto Mega em Timor
Quarta, 09 Janeiro 2013
O Atleta-Digital foi conhecer o contributo português em Timor-Leste.
Da música dos Resistência ao Projeto Mega, o contributo nacional está a transformar Maubara na capital do atletismo em Timor.
” Há uma grande assimetria em relação aquilo que é Dili, aquilo que é o Timor dos afetos (ideia de Portugal sobre Timor) e aquilo que é o Timor real , começa por nos alertar João Carvalho, Coordenador-Geral Executivo do Cluster de Cooperação “Mós Bele”. Assumindo que a visão romântica que é tida de Timor é errada, em relação à realidade que se vive, o português que coordena um dos principais investimentos do Estado Português em Timor-Leste não deixa de ser otimista em relação à vida do país. O papel deste cluster é o desenvolvimento de uma comunidade que, por si só, tende a produzir a sua própria riqueza económica e educacional : ” O objetivo em Maubara é a qualidade de vida, sendo os próprios os autores do desenvolvimento”. A escolha do sub-distrito de Maubara, com o suco (designação de freguesia) a situar-se a 40 quilómetros de Dili ocorreu ”porque a proximidade de Dili era uma condição e porque o sub-distrito é dos poucos que tem uma frente de mar, tem montanha, tem um café com esplanada, tem produção agrícola costeira e tem uma zona de Várzea para a produção agrícola .
Para João Carvalho o desafio de capacitar a população é a chave do aparente sucesso deste cluster que se encontra no seu segundo ciclo de três anos e que deverá aguardar a continuação do apoio estatal para completar o processo de desenvolvimento de Maubara, que servirá como local de exemplo para o restante país. ” Timor é Portugal há 60 anos atrás”, atira João Carvalho para cima da mesa, identificando uma ”crise de identidade profunda”. É essa crise que todos os dias tem tentativas de superação na cidade, que tem hoje em dia fortes influências portuguesas, mas que no passado teve o empenho holandês no seu desenvolvimento, não fosse Maubara um local costeiro aprazível ...
Entre as 16 mil pessoas do sub-distrito e as 3500 pessoas do suco o objetivo da cooperação portuguesa passa por tornar a vila de Maubara ”numa vila simpática e limpa” e, desse ponto de vista, a criação de infra-estruturas e de ocupações para o tempo dos habitantes locais tem sido o ‘cavalo de Tróia’ português para ao invés de impor medidas e de fornecer produtos, tentar que sejam os habitantes a dar valor ao que tenham : Em Maubara não se dá nada, tudo tem de ser co-responsabilizado por todos.
Esta conversa com João Carvalho foi acompanhada com a presença do Prof. Carlos Santos, responsável pelo Projeto Mega e que, em conjunto com João Carvalho, traçou uma parte relevante dos objetivos para o desporto de Maubara.
A INSTALAÇÃO DO PROJETO MEGA COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO DAS REGRAS
Nos países mais civilizados as atividades desportivas são, cada vez mais, fatores motivadores de economia, numa lógica invertida em muitos casos à criação do próprio desporto. Mas ao nível mais jovem ainda se sentem restos de uma das funções do desporto, a criação de regras e de confraternização entre pessoas. Em Timor estes não só são motivos fortes, como são os fundamentais motivos do Projeto Mega ter chegado a Maubara.
“O Desporto foi a ferramente estratégica para poder criar condições de cidadania básica, transmitir aos miudos e às familias quais eram as regras do jogo, como podemos trabalhar em conjunto, que é premiando quem joga segundo essa regra..., indica-nos João Carvalho, com o aceno positivo de Carlos Santos. Restava entender como podia o Projeto Mega ser instalado em Maubara, sub-distrito sem pista de atletismo de qualquer forma ou feitio. Por outro lado a inexistência de um clube desportivo, que minimamente enquadrasse os jovens, era outro dos desafios. Criado o clube, os habitantes locais criaram a pista, recuperando o jardim de Maubara. Foi criada uma reta de 40 metros, com corredores nas medidas oficiais. Carlos Santos realça que cada corredor tem exatamente 1.22 metro, com cinco centímetros de linha, ali substituida por cana de bambu. “Conseguimos criar um espaço que é de todos, uma espécie de Rossio onde acontece a vida de Maubara”, remata João Carvalho. Até o pódio foi feito pelos habitantes locais, em cimento, dando palco a toda a atribuição de prémios de eventos desportivos que ocorram na vila.
Após alguns meses a conduzir o processo à distância, Carlos Santos foi a Timor-Leste ter com João Carvalho e ai implementar o Projeto Mega com as condições locais, no início de 2012: ” O projeto Mega cá é fácil de implementar, porque tenho cá todos os recursos. Ali tivemos de os formar de início”. Aí a prioridade estava na formação de dois monitores que hoje enquadram os jovens nas atividades físicas que realizam no âmbito do clube, que conta com mais de 50 jovens atletas.” Os que gostam mais de atletismo vão para o clube ter treino, com algum formalismo”, explica-nos Carlos Santos, certo de que o formalismo em Timor será considerado bastante diferente do estilo europeu.
E é por isso que Carlos Santos está certo de que a sua aprendizagem pessoal passou também por Timor. ” Desde o princípio me foi dito que era preferível fazer do que explicar. Por exemplo eu não formei juizes, eu formei juizes com aspas, porque um starter efetivamente só sabe fazer de starter. Formamos uma pessoa para aquela tarefa e repete-se 1001 vezes aquilo”. E é nesta formação que João Carvalho já sentiu a eficácia em relação a um dos monitores formados por Carlos Santos : “Um dos professores faz planeamento aula a aula e está documentado. Julgo que é o unico professor de Educação Física que faz isto em Timor.”
DOS JOVENS RÁPIDOS AO SEU ACOMPANHAMENTO AINDA VAI UMA DISTÂNCIA ...
Tendo como parceiros estratégicos a Federação de Atletismo de Timor, o Clube de Maubara e a Federação Portuguesa de Atletismo, a implementação do projeto Mega em Timor-Leste tem sido um sucesso. Não implicando um esforço financeiro avultado, a implementação do Mega provou aquilo que há algum tempo se desconfiava : ” O Mega tem lógica na maior parte dos países do Mundo, pela sua facilidade de implantação e realização”. Esta confirmação de Carlos Santos, explica o sucesso da iniciativa em Timor-Leste. E o sucesso do evento em Maubara também se explica pela realização de quatro edições, que entretanto foram envolvendo outros sucos do sub-distrito, a última das quais no passado mês de novembro. ” Os miudos de fora vieram fazer um teatro a Maubara e eles nunca tinham corrido num Mega. Fizeram as provas logo de manhã. Depois da corrida e da peça de teatro foi a primeira vez que os miudos comeram juntos. Após o almoço os jovens de Maubara vieram despedir-se dos restantes junto ao mar”, explica-nos entusiasmado João Carvalho, principalmente pelo habitual “bairrismo” entre sucos, ultrapassado pela prática desportiva. João conta ainda uma história que decorreu antes da prática do Mega em Timor-Leste, quando tentou implementar um evento de corta-mato. Após a disputa do evento, para a entrega de prémios, ” os miudos acabaram de correr e foram tomar banho e depois foram vestir a roupa que usam para ir à missa”, simbolizando a importância do formalismo como regra básica para dar relevância aos prémios recebidos. A necessidade de criar regras de higiene tem sido uma das lutas da cooperação portuguesa em Timor. ”Atualmente os miudos vêm praticar desporto com o banho tomado e limpos”, congratula João Carvalho.
E Carlos Santos fala da dificuldade de impor regras quando em Timor experienciou ser professor também daqueles que hoje são promissores atletas locais. “A minha maior dificuldade foi a criação de regras dentro da própria aula. As turmas são de cerca de quarenta alunos, logo uma massa difícil de organizar. E depois acabam por estar em constante conflito com o colega do lado e chegam a bater-se “.
Sobre a qualidade, Carlos Santos não vê diferenças significativas entre os jovens timorenses e os jovens portugueses, embora reconheça que a falta de infra-estruturas e de material de cronometragem eletrónica possa influenciar negativamente as marcas que são registadas. Mas o técnico português lamenta mais a falta da capacidade de acompanhamento dos jovens talentos, num país que, tal como Portugal, nasceu para o atletismo com os maratonistas. João Carvalho reforça esta situação, que estará a dificultar a possibilidade do Mega se realizar em Dili, na única pista em tartan em todo o território timorense, porém sem apetrechamento : ”Continua a vender-se a imagem de um poster de um atleta timorense que foi aos Jogos Olímpicos”. Se João Carvalho vê como inteligente a opção inicial de Ramos Horta, à altura presidente timorense, criando três ou quatro eventos desportivos de grande impacto, analisa como importante a abertura do desporto timorense a outras práticas mais abrangentes.
Disseminar o Projeto Mega por todo o país não está nos planos para os tempos mais próximos, mas é certo que em breve o Mega visitará outra parte do sub-distrito de Maubara e eventualmente Dili, no caso de haver abertura de colaboração da Federação de Atletismo de Timor. No protocolo de colaboração existente está prevista a formação de juízes timorenses para as provas do Mega, um dos pontos em que João Carvalho continua disponível para ajudar a implementar durante a cooperação portuguesa. À falta de acordos mais estreitos, tudo continuará reunido no clube desportivo de Maubara, com a formação a ser dada pelos dois monitores formados pelo português Carlos Santos, que este ano se irá deslocar novamente a Timor para avaliar a implementação do Mega. É aqui que as ideias surgem em vez das promessas por cumprir, onde a presença de Carlos Santos poderá dar mais um passo na continuação do caminho da formação dos jovens talentos que vão sendo detetados na jovem iniciativa do Mega. Mas o técnico português não tem dúvidas que ”o melhor sítio para os talentos ficarem é definitivamente em Maubara”.
A EXPANSÃO DO PROJETO MEGA DEPENDERÁ DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE ATLETISMO
A implantação do Projeto Mega em Timor-Leste permitiu perceber até que ponto o evento é a chave do sucesso para uma solução que possa ajudar outros países, nomeadamente os da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. “Provavelmente uma coisa destas não tem lógica em países como Estados Unidos da América ou Alemanha. Quando surgiu a hipótese de Timor juntou-se o útil ao agradável”, explica-nos Carlos Santos, que considera que faltará a Portugal a exploração da ideia, que pode rivalizar com o programa internacional da IAAF, o Kid’s Athletics. ”O projeto Kid’s Athletics, é um projeto interessantíssimo, mas tem um nível de equipamento enorme e caríssimo. Países com fraco poder de compra tem dificuldade de implantar, enquanto o Mega é do mais básico que possa haver. Podemos eventualmente ter um produto, que depende agora da atual Direção da Federação Portuguesa de Atletismo”.
Além das vantagens que foi enunciando ao longo da extensa, mas esclarecedora, entrevista, João Carvalho deixou um facto que imprime mais força à continuação da ideia da implementação do Mega em países com influência portuguesa : ” À custa disto fala-se mais português”.
Nota final : O Atleta-Digital congratula o crescimento da iniciativa em Timor-Leste. Pelo esforço de todos os intervenientes apelamos à partilha desta iniciativa por todos aqueles que se possam interessar pela mesma. Agradecemos as fotografias gentilmente cedidas por Carlos Santos (ver todas as fotografias no Facebook).