Histórias do frio : a correr até ao fim do Mundo

Terça, 18 Dezembro 2012
Histórias do frio : a correr até ao fim do Mundo

A correr até ao fim do Mundo.

Hoje vamos entrar no imaginário…Supondo que dentro de três dias o Mundo acaba de facto, o que fazer nos dias que restam? Que memórias do atletismo poderemos relembrar? Quantos de nós iriamos correr no último dia de planeta? Mas entremos no imaginário . . . 

É fim de tarde e Patrícia, enfermeira de profissão, corre no Parque da Cidade em busca de um objectivo, participar na São Silvestre de Lisboa. Ela sabe que faltam poucos dias para esta prova e percorre freneticamente os caminhos do parque : afinal é a sua primeira participação em provas de atletismo. Ao mesmo tempo Henrique, engenheiro de profissão, ligado à componente espacial, encontra-se num laboratório em Portugal que está a trabalhar para um projecto internacional que tenta tranquilizar a comunidade com a notícia que a estranha profecia dos Maias não passa de um embuste. Dois objectivos diferentes, duas corridas distintas…

Patrícia chega a casa exausta, vive sozinha e sabe que de seguida tem de cozinhar para si mesma. Saiu há poucos dias da casa dos pais e ainda não se adaptou à rotina caseira, onde tudo o que tenha de ser feito só de si depende. Enquanto isso Henrique não sai do laboratório, ele sabe que a tranquilidade do Mundo também depende de si, embora guarde para si a ideia de que a história da inversão dos pólos é tecnicamente impossível de ocorrer só por um mero alinhamento de planetas ou constelações. Mas a ciência necessita de provas, não se pode basear em meras opiniões e Henrique sabe disso. A pressão que lhe tem sido exercida tem sido grande e ele passa horas a processar avançados algoritmos…É à hora a que Patricia se deita, que Henrique sai do laboratório, destroçado por mais uma vez não ter conseguido chegar aos avanços que lhe permitam o alcance de resultados promissores. No dia seguinte ele sabe que tem de transmitir aos órgãos decisores o seu falhanço na investigação…

O turno no dia seguinte, começa cedo para a jovem enfermeira. Mas nesse dia decidiu ir a correr até ao Hospital onde trabalha, cerca de 30 minutos em corrida lenta, seguida de um banho restabelecedor. Patrícia está cada vez mais viciada na corrida e sabe que o tempo aperta para a São Silvestre de Lisboa. Por lá terá um desafio com mais duas amigas que também andam a treinar e vencer a aposta que fizera com elas é acima de tudo um desafio pessoal, mais do que o valor da aposta. Já Henrique acordou igualmente cedo, não teve tempo para explicar sequer à sua esposa a difícil situação em que se encontrava, não vê o seu filho há dois dias e está exausto. Chega à reunião, transmite os seus desenvolvimentos e a incompreensão de quem decide parece não ser uma ajuda para a forte responsabilidade que tem em mãos. Dão-lhe até ao fim do dia para apresentar casos concretos e não perdem tempo em ativar planos de contingência para salvar alguns protegidos, que são considerados eleitos para a continuação da espécie humana. Henrique sabe perfeitamente que se uma inversão dos pólos ocorresse, o único plano de contingência era acabar de viver o melhor possível…Esta reunião levou-o a reflectir se não deveria despedir-se e passar estes dias com a família…

O dia foi duro para Patrícia, mas com a felicidade de saber que as dores que traz no corpo, são também motivadas pelas horas de corrida que vem fazendo. Não dispensa ir dar mais uma corrida antes de ir jantar com as duas amigas com quem fizera uma aposta para a mais rápida na São Silvestre de Lisboa. Já Henrique continua a trabalhar, a sandes tirada da máquina do laboratório e os vários cafés são a única consolação. Ele reuniu todas as provas que precisava para rejeitar a hipótese de um cataclismo mundial, os valores gravimétricos estão estáveis, os alinhamentos há muito que se provaram inofensivos, não existem rotas de asteróides que coincidam com a Terra nos próximos tempos, só falta convencer o poder decisor. No dia seguinte existe a reunião que decide o que comunicar aos países, que devem comunicar junto das populações alguma mensagem. Henrique acaba a sua apresentação enquanto vai de comboio para casa e enquanto fala com a sua família que já pede de si outra atenção. Feita a apresentação, vai à internet e decide comprar inscrições para ele e a família irem correr no dia 29, em Lisboa, no fundo mais participar do que correr…

A um dia do fim do Mundo, Patrícia goza um dia de folga. Não se vai levantar cedo porque está frio e o quentinho das mantas é mais acolhedor que uma caminhada dentro de casa. Entre o anjo e o diabo, que lhe transmitem mensagens junto à sua cabeça, duas mensagens distintas são igualmente tentadoras : “Patrícia, pega nos ténis e vai fazer um footing matinal” ; “Patrícia, deixa-te estar nos lençóis, porque dias não são dias…”. O desejo foi mais forte e a opção foi…ir dar um footing matinal, sem antes comer algumas bolachinhas para o estômago não ir vazio. Henrique começou o dia cedo, está a transmitir aos decisores as suas conclusões e ao mesmo tempo alega um motivo pessoal para colocar alguns dias de férias. Depois de duas horas de reunião Henrique e a sua equipa conseguem convencer os decisores e demovê-los de qualquer plano de contigência. Mal acabou a reunião, Henrique sai do laboratório sem olhar para trás, apanha o comboio e segue para casa. Ele sabia que devia tempo à família e decidiu quebrar a rotina. Primeiro tomou um duche reconfortante, foi buscar os filhos à escola para almoçarem com ele, aproveitou para uma corridinha a lembrar os velhos tempos. Tratou depois de preparar um jantar para a família, procurou receitas, meteu mãos à obra e telefonou à sua esposa, pedindo que viesse mais cedo para casa…No final do jantar Henrique decidiu convidar toda a família para a São Silvestre de Lisboa, um presente pela sua longa ausência, pelas decisões do Mundo.

Na moral da história fica a necessidade de cada um de nós tentar conciliar uma difícil vida profissional com objectivos pessoais que nos levem a todos à superação pessoal. A corrida é um dos grandes escapes para uma vida equilibrada e estável e pode constituir momentos unificadores entre pessoas, independentemente dos laços que as unem. Seja qual for a sua crença sobre a profecia dos Maias, que supostamente determinam o fim do Mundo no próximo dia 21 de dezembro, corra, porque será a melhor dor que conseguirá guardar consigo até que a vida se afaste deste Mundo.

E já que falamos em Fim do Mundo, porque não relembrar esta música?



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Por : Edgar Barreira

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