Rafael Gonçalves estabelece novo “record” do Salto em Altura

Terça, 05 Junho 2007
Rafael Gonçalves estabelece novo “record” do Salto em Altura

Rafael Gonçalves fixou a melhor marca nacional no salto em altura nos 2,23 metros...

 

Rafael Gonçalves

A NOITE DE TODAS AS EMOÇÕES

Rafael Gonçalves fixou a melhor marca nacional no salto em altura nos 2,23 metros...

A vida é feita de pequenos nadas, como dizia o poeta. Nadas esses que, quase sem darmos por isso, acabam por se revelar determinantes em tudo aquilo que fazemos. Para o bem e para o mal! Rafael Gonçalves é, de há muitos anos a esta parte, uma referência do atletismo nacional e um dos filhos dilectos desta terra de Ovar que o viu nascer há 30 anos atrás. Na passada sexta-feira, em dois momentos de inspiração, atingiu uma meta perseguida tenaz e determinadamente há muito, muito tempo: duma assentada, melhorou por duas vezes o seu próprio “record” nacional do Salto Altura e que era de 2,20 m (Espinho, 26 de Janeiro de 2002). Pulou primeiro a 2,21 m para, logo de seguida, fixar a melhor marca nacional nos 2,23 metros.

“Inscreve-me, que eu vou lá para bater o record!”

Vale a pena recuar cinco semanas no tempo e centrarmo-nos em Monte Gordo, num estágio promovido pela Federação Portuguesa de Atletismo. Foi aí que Rafael Gonçalves tomou conhecimento da iniciativa da Juventude Vidigalense agendada para o primeiro dia de Junho, à noite, em Leiria. O conjunto de provas teria lugar no Estádio Dr. Magalhães Pessoa, a partir das 20h35, e seria antecedida dum festival para atletas dos escalões de formação. “Disse logo à Cátia Ferreira e ao Paulo Reis que me inscrevessem, que ia lá para bater o record”, recorda. Hoje, ultrapassada a natural euforia dum momento marcante, está convicto que, bem lá no fundo, não se tratou de qualquer espécie de “fanfarronice” da sua parte quando disse o que disse; antes se limitou a exprimir aquilo que, seguramente, sabia ser uma certeza. No seu íntimo, estava convicto que a marca de 2,20 metros tinha os dias contados.

Ao estágio do Algarve seguiu-se uma demonstração de Salto em Altura ao ar livre, em Vagos. Apesar das condições adversas, Rafael Gonçalves transpôs 2,10 metros para, na semana seguinte, em Lisboa, saltar facilmente 2,15 m. “Já me conheço. É normal, sobretudo na segunda semana após os estágios, acusar níveis de cansaço muito grandes. E estava cansado, mesmo muito cansado, quando saltei em Lisboa, no dia 12 de Maio. Afinal, se mesmo cansado, estava a valer 2,15 m… Entretanto recuperara e sentia-me tão bem, tão confiante. Não haveria de valer mais?” No Meeting de Leiria pareciam reunidas as condições para que tudo corresse mesmo como o atleta e o seu treinador, o Professor António Beça, desejavam. Entre Lisboa e Leiria, ainda o vimos vencer o concurso do Salto em Altura da Fase de Apuramento do Nacional de Clubes (Seixal, 26 de Maio), com um excelente salto a 2,16 m. A tentativa de saltar, logo ali, 2,19 m e de estabelecer um novo máximo nacional ao ar livre em solo português gorou-se, devido a uma cãibra. Mas as indicações continuavam a ser as melhores e o Meeting de Leiria encarregar-se-ia de confirmar tudo quanto dele se esperava.

O momento mágico

Os ponteiros do relógio caminhavam para as onze. A noite estava amena e a assistência nas bancadas, muita fraca de início, era agora residual. O técnico nacional do sector de saltos, Professor José Barros, já lhe tinha dito que estava ali de propósito para o ver bater o “record” nacional. Rafael Gonçalves, meio a sério, meio a brincar, limitou-se a dizer-lhe que tinha feito bem em vir, que não daria por mal empregue o tempo. E assim foi! Iniciando o concurso a 2,06 m, o atleta vareiro foi transpondo a fasquia sucessivamente de três em três centímetros, passando sempre à primeira tentativa. Quando ultrapassou os 2,18 m, lembrou-se do 3.º lugar que a mesma marca lhe valera na Taça da Europa de 2005, naquele mesmo estádio, numa bela tarde de sábado, 8.000 pessoas em pé a gritar o seu nome. Os níveis de confiança estavam agora no máximo.

A fasquia sobe para 2,21 m. Roman Guly (Sporting CP), tinha igualmente transposto os 2,18 m e, ainda em prova, constituía uma motivação extra. Era o ataque em força ao “record”. “Na primeira tentativa entrei mais rápido e perdi espaço para formar o salto”, recorda. Corrigiu ligeiramente na segunda tentativa, focalizando a sua atenção nos aspectos técnicos e puxando ligeiramente o pé atrás antes de iniciar a corrida. No seu pensamento, uma única certeza: “Não posso adiar mais o momento!”. Foi um salto em tudo perfeito. A corrida em arco, a aproximação e a formação do salto, um corpo sobrevoando com elegância e graciosidade a fasquia, todo ele moldado num gesto técnico perfeito, irrepreensível. A fasquia nem se mexeu.

Do outro lado, no colchão, Rafael Gonçalves fica inerte por momentos. Mostra-se impotente para reprimir as lágrimas. Cinco anos, quatro meses e seis dias ansiando por este momento! Uma longa espera, feita de trabalho árduo, tenacidade e dezenas de assaltos frustrados ao “record”. “A primeira reacção foi de estupefacção, nem reagi, nem festejei. Senti que chorava de felicidade, afinal era a recompensa de todos estes anos de trabalho, de privações e de sacrifícios. Quando consegui ter alguma reacção, lembro-me que me arrepiei e, depois sim, festejei minimamente. Mas transferi de imediato a minha atenção para o concurso que, afinal, continuava. Necessitava de permanecer concentrado, aproveitar aqueles momentos de inspiração, tentar fazer ainda melhor. Vamos continuar!”

Novo salto e novo record

A história voltou a repetir-se poucos minutos após, com a fasquia colocada a 2,23 metros. Rafael Gonçalves tem um primeiro salto falhado, corrige e volta a passar à segunda tentativa, num gesto técnico em tudo idêntico ao anterior, igualmente perfeito. Falharia as três tentativas a 2,25 m, mas que mais se lhe poderia exigir?

Agora é tempo de recuperar da noite de todas as emoções. Os Nacionais de Clubes e Absolutos e a Taça da Europa continuam a ser os grandes desafios que se colocam ao atleta vareiro. “No caso de vir a ser seleccionado para representar Portugal na Taça da Europa, penso que em Milão posso arrancar mais uma grande marca e chegar aos 2,25 metros. O público milânes é profundamente conhecedor de atletismo e apoia fortemente os atletas. Vão naturalmente puxar pelos seus, mas a experiência diz-me que também puxam pelos outros. E eu tenho sido um privilegiado nesse sentido, talvez por ser o mais baixinho deles todos”, diz a sorrir.

No domínio do sonho

“E os 2,27 metros e consequente passaporte para os Mundiais de Osaka, em finais de Agosto?”, atiro. “Isso já entra no domínio do sonho”, afirma de forma realista. “Não é que seja de todo impossível, mas prefiro não pensar nisso. Os dias continuam a ser de trabalho, com naturais responsabilidades acrescidas. Não podemos parar, os treinos continuam porque as grandes provas e os grandes desafios estão aí à porta.”

As suas últimas palavras vão direitinhas para algo que não pode deixar ninguém indiferente, particularmente aqueles que vivem e sentem o Atletismo da forma como Rafael Gonçalves vive e sente. E que tem a ver com o futuro da Secção de Atletismo do Sport Lisboa e Benfica. “Preocupa-me a Secção de Atletismo do meu clube poder suspender a qualquer momento um projecto que estava traçado para quatro anos. É triste um clube com a grandeza do Sport Lisboa e Benfica confrontar os seus atletas com este clima de incerteza e não oferecer garantias de continuidade. Somos uma equipa jovem mas de grande futuro e pôr fim a este projecto, a esta grande equipa, seria realmente algo de muito triste.”

“Num momento de inspiração, quem sabe?”

“Um salto perfeito!” Foi assim que o Professor António Beça se referiu ao primeiro momento mágico da noite, a transposição da fasquia a 2,21 metros. “Fiquei eufórico e, honestamente, é uma sensação difícil de descrever.” O segredo está, talvez, “na época de pista ter corrido muito pior do que tínhamos planeado. As condições climatéricas também nos condicionaram e o Rafael teve de manter um regime de treino mais apertado, usando a pista da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, no Porto. Treinou mais e, sobretudo, com mais qualidade. Afinal, há males que vêm por bem.”

Para o Professor António Beça “actualmente o Rafael atravessa o seu melhor momento de forma de sempre. É um atleta com um nível de maturidade superior. Deixei de ser eu a controlar a ansiedade dele e, frequentemente, dá-se é o inverso. Diz-me para ter calma, tem um real conhecimento do seu valor e até onde pode chegar.” E é peremptório ao afirmar que o seu pupilo, “neste momento, está a valer bem os 2,25 metros. Habitualmente costuma superar-se na Taça da Europa e estamos a prever que assim seja dentro de três semanas. Estou a envidar todos os esforços para poder estar com ele em Milão, porque sei o quão importante isso seria para ele. E porque acredito, naturalmente, que ele nos pode voltar a dar a alegria de fazer cair novamente o record.” Mais do que isso? “Enfim, 2,27 metros são mínimos para os Campeonatos do Mundo. Temos de ser realistas e esta é uma marca que está no domínio do sonho. Mas num momento de inspiração, quem sabe?”

JOAQUIM MARGARIDO

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