JOMA à espera de uma pista

Sábado, 14 Janeiro 2012
JOMA à espera de uma pista

«Estamos a tentar que o atletismo não acabe na JOMA».

Na sequência das reportagens com os principais clubes de 1ª divisão, fomos falar com João Cardoso, presidente da Juventude Operária de Monte Abrão. 

A história do clube de Monte Abrão, localidade do concelho de Sintra, é realmente grande, com a data de fundação colocada na década de 70 e com o atletismo a nascer neste clube já na década de 80, onde na época 1982/1983 a JOMA acabaria por alcançar o seu primeiro título regional. Um dos fundadores, hoje sócio nº1 do clube, é também o atual presidente deste clube que conhece nesta altura um momento baixo, estando a sofrer as angústias da crise que se vive em Portugal, com falha de promessas passadas. “Nos recebíamos em média, há 5 anos, 100 mil euros da CM Sintra, agora recebemos 10 mil, além de patrocinadores que vamos perdendo. A modalidade não é geradora de receita, apesar de termos tido dos melhores atletas nacionais” diz-nos João Cardoso, presidente da JOMA, lamentando a falta de sensibilidade para entender a grandiosidade do clube no atletismo. Mas muito mais falámos com este presidente, que mostra uma dedicação extrema ao clube...

A MUDANÇA DE OBJETIVOS APÓS RETIRADA DA PISTA E SAÍDA DA EQUIPA TÉCNICA...

Como nos deu conta o seu presidente, a JOMA é hoje um clube referência do atletismo nacional, principalmente pela formação que levou a cabo ao longo de vários anos, onde estiveram treinadores como João Abrantes e José Uva, hoje pertencentes à estrutura da Federação Portuguesa de Atletismo e ao mesmo tempo nos dois principais clubes portugueses, Benfica e Sporting, respetivamente. Também os atletas formados se encontram nos grandes clubes e os atletas internacionais são mais que muitos. “Mais de 50% da equipa feminina do Sporting foi formada na JOMA e na equipa masculina do Benfica são pelo menos oito formados na JOMA., garante João Cardoso.

Atleta-Digital : Qual se pode considerar o principal historial da JOMA no atletismo nacional?

João Cardoso :
No atletismo temos um historial fabuloso nos últimos 18 anos. Nos últimos 18 anos tivemos quatro atletas olímpicos por Portugal (Vera Santos, António Pereira, Inês Monteiro e Isabel Abrantes), além de outros atletas pelos países deles (Naiel Almeida, Celma Bonfim, Anhel Capé, Yazaldes Nascimento, Fernando Arlete). Além disso a JOMA teve seguramente mais de 50 atletas internacionais, seguramente mais de dez atletas recordistas absolutos, teve atletas medalhados em grandes competições nas camadas jovens (Patrícia Lopes, Milton Dias). Tivemos ainda 13 títulos nacionais coletivos, nas camadas jovens, em pista e corta-mato. A JOMA nos últimos 15 anos foi a melhor escola de formação portuguesa. Conseguimos formar uma estrutura técnica muito forte, conseguimos ter uma pista onde trabalhávamos e tivemos o apoio fundamental da autarquia e isso permitiu-nos desenvolver um bom trabalho na formação que alimentava as equipas séniores muito competitivas como o exemplo da equipa feminina que nos últimos 13 anos foi 13 vezes ao pódio.

Hoje, em maiores dificuldades, a JOMA foi obrigada a abdicar da forte equipa técnica, até pela evolução da carreira dos seus treinadores e hoje só conta com três técnicos fixos, que já não trabalham nas mesmas condições de antigamente, porque acima de tudo o clube perdeu a possibilidade de treinar na pista de Massamá, após finalizado o protocolo assinado entre o Real de Massamá e a Câmara Municipal de Sintra. Este foi também o motivo do fim do Meeting de Sintra, um dos meetings mais importantes em Portugal e que desapareceu...Na mira está agora uma pista que está prevista nascer no concelho!

Atleta-Digital Poderá dizer-se que a retirada da pista de Massamá limitou a atividade da JOMA?

João Cardoso : A perda da pista foi uma machadada brutal na formação. A JOMA tinha sempre em média 150 ou 180 atletas inscritos e teria na formação cerca de 100 atletas e neste momento temos 30 atletas na formação. Nós temos de deslocar os miúdos para a Pista Moniz Pereira, para o Monte da Galega e para o Jamor. Não podemos fazer ações de captação, deixámos de organizar o torneio do JOMA Jovem, organizávamos um torneio inter-escolas onde também realizávamos captação. É humanamente impossível trazer 100 atletas na formação para fora do concelho. Neste momento o protocolo entre o Real de Massamá expirou, não foi renovado e a Câmara Municipal de Sintra não negociou em tempo útil….Neste momento estamos a tentar que o atletismo não acabe na JOMA, há o risco de para o ano o atletismo acabar. Há agora um projeto que me dizem estar a avançar que é a pista no Complexo Desportivo Municipal de Agualva. O Sr. Vereador indicou-me que já foi aprovada a adjudicação da pista e tenho esperança que no próximo ano se inaugure a pista. E então ai a JOMA terá um projeto de pista outra vez.

Atleta-Digital : A orientação das especialidades também foi mudando, e a JOMA perdeu aquele núcleo forte que corria na estrada. Foram motivos financeiros?

João Cardoso :
A JOMA há 18 anos estabeleceu um projeto onde o objetivo era ser o maior clube português em todas as vertentes. Numa fase inicial dedicámos mais ao corta-mato e à estrada porque o clube era dirigido e treinado por “carolas”, pessoas que faziam as coisas por amor ao clube. Numa segunda fase tínhamos sempre uma ou duas atletas de topo como chamariz, para trazer mais gente. Depois com o aparecimento da pista, há 13 anos, e com a tal integração da equipa técnica optou-se por uma formação diferente, ao nível da pista e mantivemos a área de meio-fundo e fundo. Há cinco anos tivemos de fazer uma opção e quando deixou de haver dinheiro mantivemos os atletas de fundo apenas para completar as equipas de pista. Agora estamos a regressar outra vez às origens, temos vários miúdos para a estrada. Fazendo uma análise penso que fugimos um bocado às origens do clube e estamos a tentar incrementar outra vez a mística. Há três anos que não íamos ao GP do Natal e na última edição já levámos cerca de 50 atletas. Não temos ainda o intuito de chegar e ganhar, mas espero dentro de dois anos ou três voltar a ter os momentos altos da JOMA, na estrada.

Atleta-Digital : Pondera reativar o Meeting de Sintra, ou esta época voltará a ser um evento sem realização?

João Cardoso
O terminar do Meeting de Sintra foi outra facada que nos deram, porque era uma fonte de receita para o clube. Ao ficarmos sem a pista não tenho motivação nenhuma de voltar à pista só para organizar o Meeting e a Câmara Municipal de Sintra aproveitou e retirou-nos esse apoio. Se for concretizada a pista de Agualva, teremos de novo o JOMA Jovem e o Sintra Atleta Jovem.
O clube vive atualmente em asfixia financeira e em causa está uma dívida à banca, que só ocorre por incumprimento de promessas que foram feitas e não foram cumpridas. João Cardoso é claro na análise: ” Estamos sufocados a tentar pagar uma dívida e neste momento 40% das nossas receitas são para pagar esse empréstimo. Há seis anos tínhamos uma divida de 100 mil euros, em seis anos pagámos 60 mil euros”. O desinvestimento no clube por parte da autarquia de Sintra acaba por ser outra das limitações atuais, um apoio que o presidente da JOMA considera “fundamental” e a única forma de manter as equipas séniores ao nível dos últimos anos.

PRESIDENTE E MOTORISTA E AO MESMO TEMPO COM UM NOME NUMA ROTUNDA...

João Cardoso é, nos dias de hoje, um presidente cheio de tarefas dentro do clube, agarrando atividades que antes não eram suas, mas para as quais deixou de haver disponibilidade financeira. É, por isso, que tem feito de motorista dos jovens atletas para as diversas pistas onde treinam, uma tentativa que justifica como um “sonho de miudo” e o amor ao clube. “Ainda hoje me sinto empenhado, estou um bocado cansado, mas por outro lado tenho um orgulho enorme de ser a alma deste clube”.

O seu papel no atletismo foi recentemente recompensado com um dos galardões de personalidade do ano, na Gala do Desporto. Mas não só, João Cardoso já foi agraciado noutros momentos pelo seu trabalho em prol do desporto e até já tem o seu nome...numa rotunda! Para já parece afastada uma eventual candidatura à liderança da Associação de Atletismo de Lisboa, embora não seja carta fora do baralho...

Atleta-Digital : Foi agraciado recentemente na Gala do Desporto. O que isso representa para si?

João Cardoso :
Foi uma proposta da Federação Portuguesa de Atletismo. Para mim representou muito, no aspeto moral. É uma maneira de me sentir agradecido por aquilo que fiz pelos jovens e pelo atletismo português. Acho muito mais importante uma coisa deste tipo, considerarem que fizemos algo interessante e algo de válido. No desporto ando cá para servir os outros. Um dia que eu saia quero que as pessoas me vejam como alguém que esteve para servir os outros, sem algo em troca, não quero ganhar um cêntimo com o atletismo. A única coisa que me sabe bem foi esta e outras nomeações. Já recebi alguns prémios locais, vou ter uma rotunda com o meu nome, mas pode querer que no momento em que recebi o prémio eu lembrei-me dos milhares de jovens que passaram naquele clube, a alegria que viveram comigo. Foi das coisas mais espetaculares da minha vida!

Atleta-Digital : Gostaria de um dia ser candidato à liderança da AA Lisboa?

João Cardoso
Já me passou pela cabeça e gostava. Mas tenho de ser realista, não tenho hipótese, não tenho tempo. Só se eu tivesse alguém que fosse tomar conta da JOMA, só nessas condições poderia pensar, se os clubes pensassem que eu era a pessoa ideal, para procurar desenvolver mais um pouco da modalidade.

A APOSTA CRÓNICA NO SETOR FEMININO QUE JÁ OUSOU ULTRAPASSAR O SPORTING

A batalha da JOMA é tradicionalmente no setor feminino, o que se repetiu na temporada passada, com o 4º lugar na pista coberta e o 3º lugar no ar livre, enquanto a equipa masculina se limitou a marcar presença na 2ª divisão , apesar de nesta ter obtido o 2º lugar. João Cardoso explicou-nos o porquê desta aposta ...

Atleta-Digital : Há uma estratégia clara de ter uma equipa feminina mais forte que a equipa masculina?

João Cardoso :
A nossa equipa feminina sempre foi a mais forte, porque tínhamos mais hipótese de competir no setor feminino, no setor masculino era preciso mais dinheiro. Se fossemos apostar nas duas igual tínhamos duas equipas fracas, assim temos uma equipa forte.

Atleta-Digital : Paulo Reis considerou recentemente que a JOMA era uma das favoritas ao pódio feminino na pista coberta, mas menos favorita no ar livre. Considera o mesmo?

João Cardoso :
Concordo totalmente. Conheço bem a equipa da Juventude Vidigalense, sei que eles se reforçaram e sei que têm uma escola de formação muito boa que dará resultados. Temos uma equipa forte no ar livre mas está ali tudo “à pele”, basta que haja uma coisa que corra mal para podermos não chegar ao pódio. No meio-fundo temos atletas muito jovens, cujo resultado pode sair, como pode não sair.

Atleta-Digital : Considera que a rivalidade de clubes como SC Braga, Girassol, Juv. Vidigalense e CS Marítimo tem sido positiva para a evolução e motivação das vossas equipas?

João Cardoso :
Sim. A nossa rivalidade durante vários anos foi tentar ganhar ao Sporting. Tentámos tudo e não conseguimos. Num dos anos até contratámos estrangeiros e não deu. Na altura seria a única notícia no atletismo, tal era a hegemonia do Sporting. Há dois ano batemo-nos com o Benfica para ir ao pódio, conseguimos e ganhámos em Sub-23. O Benfica arrecadou muitos atletas e já não conseguimos este feito no ano passado.

O presidente da JOMA conversou ainda sobre a estratégia de contratações e a forma como incentiva a manutenção dos principais atletas do clube, relembrando que a maioria da equipa se manteve. Para João Cardoso ” é um erro enorme um atleta jovem transferir-se para um clube grande, porque não há mercado no atletismo” e referiu como casos positivos os de Vera Barbosa e Patrícia Mamona, ambas estão no atualmente no Sporting, que se mantiveram até ao momento certo, além de Rasul Dabo, atualmente no Benfica, que garante ter tentado aguentar mais um ano, só não o conseguindo por falta de capacidade financeira.

Atleta-Digital : Qual tem sido a vossa estratégia de contratações, nomeadamente nesta época?

João Cardoso :
Apostámos nos atletas jovens. Contratámos a Joana Monteiro (5000 m ), a Inês Marques (meio-fundo) e contratámos a Ana Costa (lançamentos) e praticamente toda a equipa se manteve. Chegou também um reforço de última hora, que já tinha estado na JOMA e saiu (erradamente) e que está muito bem agora, a Filipa Martins.

Atleta-Digital : Tem sido difícil aglutinar os principais valores da JOMA? Que incentivos lhes dão?

João Cardoso :
Sempre foi fácil manter os valores na JOMA. A JOMA sempre teve uma grande condição de família e é uma casa que trata muito bem os atletas e os treinadores. Muitos atletas hoje estão formados e fomos nós que ajudámos a pagar os estudos e a universidade e a pagar-lhes razoavelmente. Os treinadores são as peças mais importantes porque roda tudo à volta do treinador…

JOÃO CARDOSO LAMENTA CULTURA DO “PONTAPÉ NA CHICHA”

No habitual bloco de perguntas fixas, João Cardoso realçou algumas das preocupações que já tinha demonstrado anteriormente, conjugadas com a cultura desportiva em Portugal e a forma como o desporto em geral é apoiado. E o presidente da JOMA não tem dúvidas que os clubes “são o coração da modalidade”, modalidade que no seu ver não tem promovido corretamente a sua imagem.

Atleta-Digital : Concorda com o actual modelo de campeonatos nacionais de clubes?

João Cardoso :
Eu concordo. Em tempos debati essa temática com a minha equipa técnica. Eu acho que para o campeonato ser emocionante penso que tem de ser assim e estarmos a partir a modalidade total por setores já não seria um campeonato nacional de pista.

Atleta-Digital : Quais as maiores dificuldades com que se deparam os clubes?

João Cardoso :
Financeiramente o atletismo de pista não gera receitas. Aí penso que a Federação Portuguesa de Atletismo investe pouco na divulgação da modalidade. Devia investir forte na imagem da modalidade, porque seria fundamental. Aproveitando esse trabalho, se houver divulgação e também resultados tentar trazer mais gente para o atletismo.

Atleta-Digital : Que papel deve ter um clube no atual panorama do atletismo?

João Cardoso :
Sem clubes não há atletismo. Os clubes são o coração da modalidade. Um dia que se acabarem os clubes a modalidade acaba. Penso que se deve valorizar mais os clubes e as competições por clubes. O papel do clube tem de ser formar jovens e atletas, dar condições aos atletas para a prática desportiva. Depois os clubes grandes terão de ter equipas altamente competitivas, porque eles é que têm dinheiro. Os clubes pequenos a única possibilidade que têm de ser grande é ter uma grande escola de formação com técnicos pagos e com o dinheiro que se ganha na formação investi-lo, sem estar dependente das câmaras. O nível de apoios para o atletismo é muito baixo porque, como um sócio da JOMA uma vez me disse, este é o país do “pontapé na chicha”. Este é o grande problema…

Atleta-Digital : Qual é a importância da formação no seu clube, ou prefere a contratação de atletas já formados?

João Cardoso :
Prefiro a formação. É preferível equipas de formação a alimentar as equipas séniores para não nos sair tão caro. O meu ideal de clube é acima de tudo formar, formá-los enquanto atletas e enquanto homens e mulheres.

Perfil actual do clube:
Atletas federados : 58 federados e 20 não federados (7 atletas apoiadas)
Treinadores dedicados ao clube : 3, os três remunerados
Instalações de treino : Pista Moniz Pereira, Monte Galega e Centro de Alto Rendimento do Jamor
Departamento Médico : Apenas massagista
Orçamento anual : 15 mil euros


Edgar Barreira
Foto : Marcelo Silva / Atleta-Digital

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