“Faltam muitos clubes grandes em Portugal”.
Numa entrevista concedida ao Atleta-Digital, Sónia Tavares justifica saída do Sporting e as suas opções para esta época.
Chegou antes da hora combinada, num dia de chuva, com o trânsito muito congestionado em Lisboa, esperando pacientemente numa Swiss-Ball cor-de-rosa, tal como o seu fato de treino. A receber-me, um sorriso, o mesmo que difunde nos treinos, o mesmo com que termina as provas e concede uma entrevista, mesmo que a prova não lhe tenha corrido bem. Em poucas palavras, somente isto definiria o perfil da segunda atleta portuguesa mais rápida de sempre nos 100 metros, apenas batida pelo “astro” chamado Lucrécia Jardim, num país onde apenas duas dezenas de atletas baixou dos 12 segundos no hectómetro.
A SAÍDA DO SPORTING PARA O BEIRA-MAR E A FALTA DE MAIS CLUBES GRANDES
Sónia Tavares protagonizou uma das transferências mais inesperadas desta temporada, ao sair do Sporting para integrar uma nova estrutura de um clube que até ao momento não tinha atletismo, o Beira-Mar. Calma e vagarosamente a velocista não deixou de tocar nesse assunto, porque era um dos que queria deixar melhor esclarecidos...
Atleta-Digital : Quais os motivos da tua ida para o Beira-Mar e o que é que isso muda na tua vida?
Sónia Tavares: Fui para o Beira-Mar através do meu treinador, Eng. José Pereira da Silva. Falei com o meu treinador no final da época passada e tinha-lhe dito que não queria ficar no Sporting. O meu treinador disse-me que era melhor eu ponderar, porque era uma decisão que não era fácil. Depois de pensar disse que sim, que não queria representar mais o Sporting e disse ao meu treinador que precisava de uma solução
O regresso do Beira-Mar ao activo, no atletismo, ocorreu com a vontade de Sónia Tavares querer integrar um novo projecto, mas não só! Conjugou-se também a vontade da Universidade de Aveiro querer integrar o clube nesta secção, aproveitando a pista do Estádio Universitário de Aveiro. Sónia falou-nos um pouco sobre o timming da saída e sobre o projecto em si.
Sónia Tavares : Tivemos a resposta muito tarde, praticamente no último dia de transferências, quando o presidente ligou para o meu treinador e confirmou que ia abrir a secção e que aceitavam a minha inscrição. Eles tinham um projecto que era abrir uma nova secção e ao mesmo tempo desenvolver um projecto na região de Aveiro. Consegui perceber que este era um projecto com paixão, não era só pelo dinheiro. As pessoas do clube mostraram um verdadeiro interesse e foi uma das razões pelas quais aceitei fazer parte do clube...
Atleta-Digital : Na prática continuas com o mesmo treinador e local de treino. Que compromissos tens de honrar com o Beira-Mar?
Sónia Tavares : Essa era a outra razão pela qual entrei. Uma vez que eles não têm equipa feminina nesta época e que não iriam impor determinados critérios ou regras...Disseram-me para ter uma época descansada, representando as cores do Beira-Mar, dar-lhes títulos e iniciar a próxima época. Eles querem que o Beira-Mar seja um clube que faça frente aos grandes, um projecto muito grande e o atletismo vai ganhar muito com esta aposta. Por parte do clube o interesse é esse, mas ainda faltam os apoios para a próxima época...
A comunidade do atletismo viu com desconfiança a mudança de Sónia Tavares para o Beira-Mar, já que foi visto como uma forma de contornar o pacto de não agressão entre Benfica e Sporting, que impede a transferência directa entre os dois clubes. Um dos intervenientes que assumiu publicamente essa desconfiança foi o director-técnico da secção de atletismo do Sporting, o Prof. Abreu Matos.
Sónia Tavares: É normal, não só o Abreu Matos como a maior parte das pessoas deve ter pensado no mesmo, toda a gente tem direito à sua opinião. No meu caso não é essa a intenção. A intenção é manter-me no Beira-Mar. Se o Beira-Mar continuar continuarei no Beira-Mar, se o Beira-Mar fechar portas, aí vou ter de arranjar outra solução. Da mesma forma que fui para o Beira-Mar, posso ir para um clube que ninguém está à espera...
Para Sónia Tavares a falta de mais clubes com aposta económica forte na modalidade é um dos problemas do atletismo nacional. Chegou a ponderar regressar ao Donas, clube que representou antes do Sporting durante quatro anos, nutrindo carinho por este tipo de clubes.
Atleta-Digital: Achas que falta em Portugal um terceiro grande clube, como chegou a ser o FC Porto?
Sónia Tavares: Faltam muitos clubes grandes em Portugal. Seria muito mais interessante que os dez melhores atletas de cada especialidade estivessem divididos entre os vários clubes, que permitissem a disputa dos primeiros lugares. Um atleta até aos 18 anos consegue estar em qualquer clube sem um apoio financeiro, mas depois essa é a fase crítica. Quando passa a sénior o atleta ou vai para a universidade, ou vai trabalhar. Deixa de ver o atletismo pela paixão inicial, pela prática desportiva, pela amizade ...Os clubes mais pequenos acabam por perder os bons atletas, como no meu caso que saí do Donas para o Sporting, porque eles não conseguiam cobrir a proposta.
Atleta-Digital : Chegaste a ponderar regressar ao Donas, é um clube em que continuas a demonstrar carinho?
Sónia Tavares: Tenho muito carinho por este clube. Representei o Donas durante quatro anos e é um clube que merece todo o meu respeito e apoio. Cheguei a falar com o presidente para ver a possibilidade de voltar para o Donas. Mas como eles queriam apostar numa equipa feminina, essa verba da transferência era uma grande quebra no orçamento e é compreensível que não me tenham contratado. Eles fazem um esforço muito grande, como outros clubes em Portugal, como a Juventude Vidigalense. Este tipo de clubes têm feito tudo por tudo para se manterem e ainda conseguirem ter atletas de nível.
O FOCO EM LONDRES, PARA 2012...NUMA PAIXÃO ENORME PELO TREINO E PELA MODALIDADE
Só o gosto pelo atletismo faz com que Sónia Tavares tenha de abdicar um pouco do seu curso de medicina dentária, para conseguir conjugar com os treinos. Depois de ter falhado a ida aos Mundiais a pressão de atingir mínimo para os Jogos Olímpicos aumenta, embora Sónia Tavares não sinta essa pressão em particular. “O objectivo de ida aos Mundiais era porque sabia que o mínimo correspondia o acesso à preparação para os Jogos Olímpicos. Tive um bocadinho de azar, mas não estou preocupada”. Londres é de tal forma um objectivo para Sónia, que a mesma tem dificuldade em olhar para lá disso. À pergunta “com 25 anos, que objectivos tens pela frente” a resposta foi simples : “Não sei bem. Tenho mesmo como prioridade a participação nos Jogos Olímpicos.”.
De Sónia Tavares apenas costuma aparecer o rosto de felicidade pelo que faz e entre vários bons momentos, não deixa de focar “a medalha que conquistei nas Universíadas”, uma medalha de bronze conquistada em Belgrado, no ano de 2010, na prova dos 100 metros. Após terminar a carreira não tem dúvidas, “vou tirar muita coisa positiva do atletismo quando deixar de o praticar”. Mas um atleta não é só feito de rostos de felicidade e Sónia apesar de não identificar um momento baixo evidente, considera difíceis os momentos de saturação que vive em determinados momentos da época, entre o treino e a faculdade : “Penso que um dos obstáculos que muitos atletas enfrentam é ter de conciliar a faculdade com os treinos”.
Atleta-Digital: Tens conseguido conjugar atletismo e medicina dentária?
Sónia Tavares : Eu tenho um bocadinho de azar, que outros também têm, que é estarem a frequentar um curso que tem apenas uma turma. Não temos qualquer vantagem na Universidade, nem sempre existe muita vontade de ajudar os atletas de Alta Competição. A nível de horário, temos de nos sujeitar ao único horário e adaptar os nossos treinos a esse horário. Eu tenho um horário muito complicado este ano que é entrar às 08:30 e sair entre as 18:00 e 19:00 e não é fácil. Daí a minha opção de não fazer todas as cadeiras para poder treinar para os Jogos. Consigo fazer bidiários porque abdiquei de duas cadeiras para o conseguir..
Atleta-Digital : Como esperas organizar esta tua época? Mundial de pista coberta,Europeus e Jogos Olímpicos?
Sónia Tavares :De Inverno em princípio não vou ter uma aposta a 100%, mas vou competir. No Verão quero participar no Europeu e nos Jogos Olímpicos. O Mundial de pista coberta não é uma prioridade, mas tudo depende. Se tiver uma boa prestação que se justifique ir ao Mundial, vou ponderar...
DA ENGENHARIA PARA O INCREMENTO DE VELOCIDADE PARA ULTRAPASSAR...LUCRÉCIA!
Ao contrário da maioria dos grupos de treino em Portugal, este é liderado por um Engenheiro Mecânico, de seu nome José Pereira da Silva. Sónia Tavares demonstra enorme orgulho pelo seu treinador e considera falsa a ideia de que “para se ser bom treinador em Portugal é preciso ser professor”. Aliás, a velocista nacional considera ainda que “a maioria dos treinadores ,que não ganham quase nada, são as pessoas mais desvalorizadas no atletismo”, colocando-se assim ao lado do seu treinador, que não faz do atletismo a sua profissão principal.
O grupo de treino é composto por Sónia Tavares, Tânia Duarte e Sara Esteves, estas últimas jovens valores da velocidade nacional que têm em Sónia Tavares a referência do grupo.
Atleta-Digital: Treinar com jovens talentos da velocidade nacional deixa-te orgulhosa?
Sónia Tavares : É sempre bom ser um modelo para outros atletas, tenho duas companheiras espetaculares. São excelentes raparigas que estão na mesma situação que eu, andar na faculdade e treinar e mesmo assim elas conseguem ter uma grande motivação para o treino. Destaco a Tânia que tem muito azar com as lesões e ainda consegue ter motivação. Nos momentos em que estou mais cansada elas dão-me apoio e o contrário também se sucede, é a vantagem de se ter um grupo.
Numa altura em que integra o Beira-Mar, numa parceria com a Universidade de Aveiro, Sónia Tavares continua a pertencer à Universidade de Lisboa, como aluna, o que pela proximidade a faz utilizar mais frequentemente o Estádio Universitário de Lisboa para os treinos principais e a Pista Moniz Pereira mais para outros tipos de trabalho, como o trabalho de força. Este é o motivo pelo qual não utiliza o Centro de Alto Rendimento, no Jamor, numa procura de optimizar o seu tempo.
Mas um dos sonhos de Sónia Tavares continua por concretizar e faltam-lhe duas coisas primordiais : conhecer Lucrécia Jardim e “roubar-lhe” o recorde nacional dos 100 metros (está a nove centésimos do objectivo). “Tenho esperança em obter o recorde nos 100 metros, era um orgulho enorme ter o recorde”, diz Sónia Tavares sobre essa possibilidade, numa altura em que estava quase na hora do treino. Mas se por um lado quer ficar com o recorde de Lucrécia, a portuguesa também tem a intenção forte de a conhecer: “Uma das minhas maiores curiosidades no atletismo era conhecer a Lucrécia Jardim. Julgo que temos de dar valor à história do atletismo”.
A LÍNGUA GESTUAL E O CEPTICISMO PELO RUMO DA SOCIEDADE
Com 25 anos, Sónia Tavares tem um perfil reservado, mas simpático, o que a torna numa das atletas nacionais, mais modestas na postura, mas forte competitivamente. Dentro da falta de tempo a atleta integra pelo segundo ano um curso de aprendizagem de língua gestual. Considera importante a diminuição de barreiras e dá muito valor às prestações dos atletas portadores de deficiência. “Acho que podemos dar o exemplo de que não é por não termos uma dificuldade que não podemos diminuir a dificuldade de outros”, considera. A atleta não estaria à espera da pergunta, mas quando lhe foi questionado se gostaria de ser guia de atletas, a resposta não se fez esperar : “Já pensei ser guia, mas acho que não vou ter disponibilidade para o ser, principalmente por causa da minha futura situação profissional. Enquanto estiver a estudar, quem sabe...”
Mas Sónia Tavares trabalha também para a condução da sociedade em geral, tendo participado recentemente, juntamente com o decatlonista Tiago Marto, na sensibilização de grupos de estudantes universitários para a não ingestão de álcool nas festas, evitando seguir “aquele aluno boémio da turma”. Mesmo tendo consciência de ainda não ser uma atleta com o carisma de Nelson Évora ou Naide Gomes pode também transmitir o que pensa à sociedade : “Apesar de não ser uma atleta medalhada, é bom fazer parte de projectos sociais e culturais”.
Já em off, a caminho do ginásio onde aguardavam o seu treinador e colegas de treino, Sónia Tavares partilhou ainda a sua preocupação com as gerações mais jovens e a sua interacção nas redes sociais. Só recentemente Sónia Tavares aderiu ao Facebook, mas critica quem o usa de forma pouco inteligente, dado que na sua óptica a maioria das pessoas divulga informações pessoais que colocam em perigo a sua integridade e a de outras pessoas.
Edgar Barreira
|
Temos muita sorte de ter a Sónia no atletismo.
Votos dos maiores sucessos para esta grande atleta.
Bem haja!
PS: tu sabes quem somos