A ideia perigosa de Wanjiru |
Terça, 18 Outubro 2011 | |||||||
![]() O novo recorde mundial da Maratona estabelecido há poucos dias por Patrick Makau trouxe-me à memória o actual campeão olímpico da distância que infelizmente já não está entre nós, Samuel Wanjiru. O modo como encarava a Maratona mudou para sempre aquele que é o evento mais “assustador” e “temido” do Atletismo. Ora não fossem 42,185 km... Nas origens do “medo” – Segundo a lenda, a Maratona é uma prova que homenageia a corrida do soldado grego Fílipides que em, 490 a.C., correu cerca de 40km desde Maratona até Atenas, para anunciar a vitória grega na batalha contra os persas e, uma vez cumprida a missão com uma só palavra “Niki” (Vitória), tombou e morreu instantaneamente. Se Fílipides apenas cumpria uma ordem “militar”, qualquer pessoa que actualmente corra uma Maratona é por vontade própria! Claro que não podemos ser tão simplistas e dizer uma coisa destas esquecendo tudo aquilo que torna esta prova do Atletismo tão especial e tão apetecível pelos corredores de fundo. O testar dos limites da resistência humana, do carácter, da superação, o desafiar do “muro dos 30km” são apenas alguns desses aspectos que torna mítica uma Maratona. É impossível, porém, não falarmos do “medo” pois este tem sido um sentimento que está no conceito da Maratona ora não tivéssemos logo uma morte trágica na origem deste evento atlético. Ideias perigosas – Desde sempre, há pessoas que desafiam as normas ou que gostam de questionar o que lhes foi incutido desde que nasceram. Promovem ideias “impensáveis”, ideias que a serem verdade abalariam a essência de várias sociedades no seu todo. São perguntas tais como: “Será que a Bíblia é um livro de ficção?”, “Estaria a sociedade melhor se as drogas fossem legalizadas?”, “Os pais têm algum efeito no carácter e inteligência dos filhos?” “Será que as religiões matam muito mais pessoas que o Nazismo?” Existem imensas ideias perigosas relacionadas com o Atletismo. Ideias que são difíceis de pôr no papel porque colocam em questão tudo o que sempre nos disseram e que perturbam as nossas mentes. E se pudéssemos determinar exactamente o potencial de uma pessoa? E se as lesões são 100% evitáveis? Será que todos os finalistas nos Jogos Olímpicos tomam substâncias proibidas para melhorarem a sua performance? Serão os atletas africanos geneticamente superiores aos atletas caucasianos? Estas são ideias perigosas porque são difíceis de responder com precisão e porque muitas respostas custariam anos e anos de dogmas e acredito que haveria muitos obstáculos à sua descoberta. De Fosbury a Wanjiru - Há ideias perigosas no Atletismo que só podem ser feitas por atletas e treinadores. Tome-se o salto com vara como exemplo e a evolução nos materiais usados como resultado de muitas perguntas “Como ir mais alto? E se a vara tiver mais elasticidade? E se afastarmos mais as mãos?” Ou no salto em altura, com o Dick Fosbury a questionar-se a si próprio se não havia uma maneira melhor de saltar em altura? Acabou por revolucionar aquela disciplina e todos os atletas de elite saltam actualmente com a técnica de Fosbury. Sei que estes dois exemplos são demasiado pequenos comparado com as milhares de ideias que surgem nas mentes dos atletas. E duvido que algum evento do Atletismo tenha evoluído sem o contributo de muitas destas questões. Mais raro é ver algumas dessas ideias se confundirem com o próprio atleta e sê-lo reconhecido por vários atletas. Samuel Wanjiru foi um desses atletas que conseguiu personificar uma ideia perigosa, para a qual contribuiu em muito toda a sua formação no Japão: “E se correr uma maratona sem medo?” Wanjiru distanciou-se claramente do conservadorismo com que sempre se olhou para a forma de correr uma Maratona. Os maratonistas não começam muito forte porque têm medo do que lhes vai acontecer nos quilómetros finais e esse é um medo perfeitamente racional pelo que não se pode criticar. Para Wanjiru, acho que o medo não fazia parte do seu vocabulário (e isso foi algo que o acabaria por traí-lo na vida pessoal). Ele tinha aquela ideia “louca”, não queria saber de ritmos programados ou de tempos de passagem. Ele era o principal candidato a bater o excelente recorde mundial de Gebrselassie (2:03:59) mas graças a esta postura talvez nunca chegasse a batê-lo… Ele nunca quis entrar numa Maratona e seguir “lebres”, ele preferia ganhar aos adversários do que bater tempos. Recorde olímpico e legado - Nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, Wanjiru contrariou todas as expectativas dadas as condições atmosféricas e fez o que ninguém pensava ser possível. Ele mostrou-se destemido e indomável e deixou todos para trás, batendo o recorde olímpico que ainda pertencia ao nosso Carlos Lopes desde 1984 e por larga margem (2:06.32 contra 2:09.21). A forma como Wanjiru atacou aquela Maratona teve repercussões imediatas nos seus compatriotas. Em 2009, Dunkan Kibet e James Kwambai correram 2:04.27. Abel Kirui correu ao estilo de Wanjiru nos Mundiais de Berlim e correu em 2:06.54. No início de 2011, Geoffrey Mutai e Moses Mosop aproveitaram um bom vento pelas costas em Boston e correram (incríveis) 2:03.02 e 2:03.06 respectivamente (marca não oficializada pela IAAF para record do Mundo porque, para esta ser aceite, a partida e a chegada não podem estar mais afastadas do que 50% da distância da corrida. No caso da Maratona de Boston, a partida e chegada estão afastadas em 42km…). A verdade é que, resumindo, actualmente qualquer Maratona de elite tem tempos vencedores incríveis e o recente recorde mundial de Patrick Makau (2:03:38) é prova disso, fruto de uma exibição “à Wanjiru”, querendo fugir dos “lebres” aos 26km… Claro que é difícil provar que estes excelentes resultados são fruto da “ideia perigosa” de Wanjiru mas também é difícil argumentar de que qualquer um destes resultados acontecesse se não tivesse havido aquele jovem queniano a atacar assim a Maratona Olímpica de Pequim 2008. Para mim, Wanjiru quebrou com o passado e alterou para sempre a forma de encarar esta dura distância. A Maratona nunca mais será a mesma.
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