Portugal teve uma prestação relativamente modesta.
A Taça da Europa de Marcha, contou com condições meteorológicas que transformaram as provas em momentos de superação pessoal.
A pacata cidade de Olhão acolheu um evento que muito diz ao atletismo português, pela marca de qualidade deixada pela marcha nos últimos anos. A Taça da Europa de Marcha era esperada com muita expectativa, não só pela implementação de alguma tecnologia na transmissão e acompanhamento, mas também pelo plano desportivo, que interessava aos portugueses e às disputas internacionais.
O DOMÍNIO DE DENIS, NA DESPEDIDA DE JORGE COSTA…
Um dos grandes favoritos à vitória nos 50 quilómetros era efectivamente Denis Nizhegorodov (Rússia), o recordista mundial que tinha nos pés a responsabilidade de defender o título que tinha alcançado há dois anos na cidade francesa de Metz. A dúvida seria mais saber com que marca terminaria e se resistiria ao clima português, numa prova onde a Rússia apresentava outro nome forte, Igor Erokhin. A vitória foi mesmo para o russo Nizhegorodov, que nos primeiros cinco quilómetros começou a trilhar o seu caminho a solo, para completar a distância em 3:45.57 horas. Com medalha de prata terminaria Erokhin com 3:49.04 horas, numa recuperação fantástica que realizou nos últimos quilómetros, conseguindo ultrapassar o italiano Marco Di Luca (3:50.12 horas) que se ficou pelo terceiro lugar. A prova ficou marcada por uma amplitude elevada ao nível da temperatura e humidade, entre o começo e o fim da prova.
Dos três portugueses, Pedro Martins não chegou aos 20 quilómetros, repetindo outras desistências que já averbou nesta competição. Manteve, assim, a sua totalidade neste evento, talvez o último da sua carreira. O mesmo aconteceu com António Pereira, que esta época não conseguiu concluir qualquer prova nesta distância, desistindo após dores numa perna, numa altura em que estava bem colocado, antes dos 40 quilómetros. Quem se despediu mesmo das competições foi Jorge Costa, atleta que sofreu para conseguir completar a distância, depois de ter superado dores nas semanas anteriores. O tempo de 4:25.04 horas, no 26º lugar, foi amplamente aplaudido numa cidade que o atleta conhece bem e num tributo que o município local fez questão de dar, perante as centenas de pessoas presentes. “Era essa minha obrigação, terminar a minha carreira, na minha terra. Não podia de forma alguma desistir, apesar das dores serem muitas”. Completou também Augusto Cardoso, com o tempo de 4:10.03 horas, no 19º lugar, que fez uma prova equilibrada, não sendo melhor apenas pelas condições que se verificaram. Este português esteve a fazer três semanas de treino intenso para o evento, após a sua empresa lhe ter permitido a ausência do trabalho neste período.
Colectivamente, vitória da Rússia (15 pontos), contra os 19 pontos de Itália e os 20 pontos da Polónia.
JUNIORES DE LESTE CONTINUAM A DAR CARTAS...
Em ambas as provas de juniores (10 Km), as vitórias pertenceram aos atletas de leste, aliás uma tendência que se verificou nas restantes provas. Garante-se, desta forma, que estes países deverão continuar a marcar o futuro desta especialidade nos próximos anos, com várias “fornadas” de bons atletas mundiais.
Em femininos, uma vitória fácil e de grande qualidade de Yelena Lashmanova (Rússia), com o tempo de 43.10 minutos, nada que outra russa não tenha feito antes, mas nada que se consiga todos os dias, ainda por cima perante estas condições atmosféricas (62% de humidade). A sua colega de equipa, Svetlana Vasilyeva, acabaria a 52 segundos, acabando ambas destacadas nesta prova. No terceiro lugar chegaria Kate Veale (Irlanda), uma jovem que poderá ser o futuro da marcha europeia, neste escalão, nos próximos dois anos, tendo completado em 46.32 minutos. Participou ainda a portuguesa Sandra Monteiro, que não foi além do 28º lugar, com o tempo de 56.42 minutos. Colectivamente, nova vitória para a Rússia (3 pontos), contra Itália (9 pontos) e República Checa (19 pontos), numa classificação onde só contam duas atletas.
O ucraniano Ihor Lyshchenko foi o vencedor dos juniores masculinos, com o registo de 41.26 minutos. Não obteve uma margem demasiado confortável para a sua vitória, já que Hagen Pohle (Alemanha), acabou segundo classificado, apenas dez segundos depois. O russo Dementiy Cheparev acabaria com a medalha de bronze, classificado em 41.58 minutos.Classificaram-se dois jovens marchadores portugueses numa das duas provas onde Portugal se conseguiu classificar colectivamente. Samuel Pereira foi o melhor em actuação, com 45.46 minutos, no 19º lugar, enquanto que Bruno Pedro foi 22º lugar, terminando a distância em 46.19 minutos. O leste europeu aqui foi ainda mais evidente, com vitória colectiva da Ucrânia (5 pontos), seguida de Rússia (8 pontos) e de Alemanha (12 pontos). Portugal acabaria 9º classificado, num universo de 12 selecções classificadas.
CAMPEÃO EUROPEU VENCEU EM PROVA DIFÍCIL PARA PORTUGUESES
Não fosse Stanislav Emelyanov o campeão europeu, um jovem marchador russo de apenas 21 anos, e estaríamos perante a presença de um ‘outsider’ para os mais desatentos. Este jovem que já brilhou como junior tem somado medalhas como sénior, nem parecendo que está numa fase de transição para muitos anos de carreira ainda.
Emelyanov não ganhou de forma fácil os 20 quilómetros, em condições difíceis para a marcha, logo se podendo avaliar a marca da sua vitória, em tempo muito lento, 1:23.27 hora. Mesmo numa prova onde faltaram alguns nomes importantes, o campeão europeu festejou a sua vitória como se tivesse ganho o título europeu, o que demonstrou o seu respeito perante o evento. No segundo lugar chegaria Matej Tóth (Eslováquia), atleta que tem feito sensação na distância de 50 quilómetros, quer em pista, quer em estrada. Completou em 1:23.53 hora, numa disputa interessante com Jakub Jelonek (Polónia), que terminaria apenas seis segundos depois.
Dos portugueses, o melhor seria Pedro Isidro, que completou no 16º lugar, quatro posições melhor do que há dois anos. Desta forma provou que estavam erradas algumas vozes discordantes quanto à sua chamada à selecção, embora com uma marca (1:27.39 hora) que o próprio admite que poderia ser melhor. “Fico muito contente por este lugar. Gostaria de ter feito uma melhor marca. “. Os gémeos Vieira (João e Sérgio) acabariam por replicar a desistência, invalidando qualquer possibilidade da equipa nacional lutar por um lugar na classificação colectiva, relembrando o que ocorreu há dois anos em Metz, quando Pedro Isidro foi exactamente o único português a terminar nesta prova.
Colectivamente, vitória fácil para a Rússia, com 15 pontos, seguida por Espanha (30 pontos) e Itália (31 pontos), que lutaram até final as medalhas de prata e bronze.
RECORDISTA MUNDIAL VENCE...SUSANA AGARROU DAEGU
Os 20 quilómetros femininos foram a prova mais aplaudida da tarde, não só por se realizar ao final de tarde, mas também porque era aqui onde as aspirações portuguesas eram mais vincadas e legítimas...Contudo eram as russas as mais favoritas de início e mostraram isso mesmo na estrada. Vera Sokolova (Rússia) foi desfazendo um grupo de marchadoras que impunha um forte ritmo na frente, numa tarde ainda quente (22 graus ao início da prova). A recordista mundial acabaria com o registo de 1:30.02 hora, seguida pela congénere Anisya Kirdyapkina (1:30.41 hora). Uma boa ponta final da italiana Elisa Rigaudo, acabaria por se transformar numa suada medalha de bronze desta atleta que acabou em 1:30.55 hora, deixando a espanhola María Vasco no 4º lugar.
Mas o interesse do público português era a luta das quatro portuguesas (Susana Feitor, Inês Henriques, Ana Cabecinha e Vera Santos) contra as suas adversárias e, ao mesmo tempo, o último grande momento competitivo para definir a equipa portuguesa para o Mundial de Ar Livre. Cedo Vera Santos deixou a prova, em definidas dificuldades que não a deixaram continuar, embora tenha alegadamente cumprido o seu melhor estágio da carreira. A braços com o falecimento da sua mãe, pouco antes desta Taça da Europa, após doença que a levou ao hospital no momento de estágio, Ana Cabecinha competiu o melhor que conseguiu em Olhão. Fez uma prova estável e em ligeira subida na classificação na parte final da prova, num esforço impulsionado pelo público, acabando em 15 º lugar (1:34.31 hora). “Sinto enorme alegria. Pela minha família e minha mãe que está lá em cima a olhar por mim, tenho de agradecer...”, disse Cabecinha. Mais em queda no final, mas depois de uma excelente prova esteve Inês Henriques, que concluiu no 13º lugar, reclamando também um melhor resultado, face ao seu momento de forma : “Infelizmente não consegui demonstrar a forma em que estava”. A atleta portuguesa da tarde acabou por ser a experiente Susana Feitor, que enalteceu todo o apoio do público: “Foi uma prova impressionante com toda a gente a puxar por nós. Assim dá gozo...O clima foi bastante duro apesar de termos tido a vantagem de ter competido ao fim de tarde”. Ao longo da prova Susana Feitor foi puxando por si, não entrando em ritmos loucos que a fizessem desistir, ainda por cima num momento onde se definia também a selecção nacional. Com o 9º lugar, sendo melhor portuguesa e novamente mínimo ‘A’ (terminou em 1:32.43 hora), com muita certeza terá conseguido o lugar para o Mundial de Ar Livre deste ano, em Daegu.
Colectivamente, apesar de todo o empenho do público, Portugal acabaria 4º classificado, com 37 pontos, apenas mais cinco que a Ucrânia (32 pontos). Espanha (22 pontos) e Rússia (14 pontos) foram as duas selecções dominadoras.
ORGANIZAÇÃO PROMOVEU A MARCHA ATLÉTICA E APOSTOU EM BOA ORGANIZAÇÃO
O Algarve assume, cada vez mais, o potencial de organizar bons eventos e disso foi exemplo o Europeu de Corta-Mato, como foi esta Taça da Europa de Marcha e ainda a confiança para a realização, dentro de uma semana, da Taça dos Clubes Campeões Europeus (Vila Real de Santo António).
A marcha portuguesa tem sido uma das especialidades que mais tem obtido relevância internacional no mundo do atletismo, pelo que todos os anos se faz disputar uma das etapas do Challenge Mundial (em Rio Maior). Assistiu-se a um total empenhamento organizativo neste evento, com a aposta em vários sistemas eletrónicos, quer ao nível classificativo, quer ao nível da transmissão vídeo, para animação local e para visualização na internet. Em ambos, o Atleta-Digital foi o parceiro com a Federação Portuguesa de Atletismo.
Contudo, num momento em que as selecções séniores se encontram num nível competitivo bastante razoável, onde a face mais visível ocorre no sector feminino, essa tendência não tem sido acompanhada nos escalões mais jovens, o que novamente só veio acentuar-se neste evento. É um problema antigo, o da sucessão dos melhores marchadores portugueses, tendo-se ampliado as fricções no sector nos últimos anos, depois de muitos anos em que a marcha nacional se encontrava com um nível organizativo muito próprio e, por vezes, exemplar em relação a outros sectores.
RESULTADOS COMPLETOS
Sandra Monteiro, a única representante portuguesa nos júniores femininos.
Sempre combativo, Augusto Cardoso foi o melhor português em competição.
Jorge Costa foi homenageado pela Câmara Municipal de Olhão, pela sua última prova da carreira.
Emocionada com o falecimento da sua mãe, Ana Cabecinha foi confortada pelo seu treino, Paulo Murta, mal terminou o evento.
Enviados Especiais : Bruno Araújo, Edgar Barreira (texto e grafismos), Filipe Oliveira (cronometragem), Joana Oliveira (fotos), Mariano Salas (cronometragem), Telmo Rocha (cronometragem)
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Quando corre bem, dá-se os parabéns. Quando corre mal, há que tomar as responsabilidades e ver o que correu mal.