Rei e Servo

Quarta, 14 Outubro 2009
É perfeitamente normal encontrarmos, no Mundo, pessoas cujo nome as aproxima mas que estão muito separadas pelos papéis que desempenham. É o caso do nome Fernando que é partilhado pelos homens que me inspiraram para este texto. Um deles será tratado por Rei e outro será tratado por Servo porque caso não o fizesse, era natural que fosse uma confusão… Embora tais Fernandos sejam a razão de ser do texto, a verdade é que ambos representam dois tipos de pessoas bem distintas no nosso atletismo.

Rei Fernando e oprimidos – Desde os primórdios da humanidade, houve sempre a necessidade natural de haver líderes e seguidores. Esses chefes de tribo começaram por ser designados através das suas capacidades de caçar, o que veio a mudar com a introdução de monarquias, normalmente iniciadas por um homem com excelentes capacidades militares. Dizem-nos os historiadores que muitos destes primeiros reis foram verdadeiros heróis e o povo amava-os de facto. Mas cedo se aproveitaram da sua posição para explorarem quem estava abaixo da hierarquia. Até a Igreja Católica se aproveitou, através do “dízimo”. Eram poucos os que contestavam e quem contestasse acabava frequentemente na fogueira; era a relação opressor - oprimido a funcionar no seu esplendor.

Se no inicio, os oprimidos não sabiam bem o que faziam neste mundo, aceitando a sua condição sem se queixarem, a verdade é que as ideias iluministas despertaram a consciência para a igualdade entre todos e a para a liberdade pessoal e social. Pensamentos como “todo o homem nasce livre” de Rousseau ou “pensar e deixar pensar” de Voltaire tiveram efeitos até na Rússia czarista, uma das mais terríveis monarquias absolutistas.

Muitas monarquias foram abolidas de modo mais ou menos trágico mas muitas ainda persistem, sobretudo em África. Felizmente, a evolução da humanidade tornou monarquias absolutas em monarquias constitucionais, nome que esconde algumas realidades obscuras dos mais tiranos ditadores. Para mim, é uma tragédia ter a sensação, ao ler a carta de demissão do Arq. Luís Leite, de que foi instaurada na nossa federação uma monarquia em 1993… A ser verdade o que está escrito na carta de demissão, com o passar dos anos, o “querido” Rei Fernando tornou-se num Rei déspota e algumas palavras daquele que foi, em tempos, um dos homens-fortes do Rei, fazem-me adaptar uma frase do paradigma dos déspotas para tentar exprimir o que o nosso Rei pensa ao ver-se ao espelho: “O Atletismo sou eu!”(1) e tal e qual o Rei Sol, demonstra uma incapacidade de descentralizar poder, considerando-se insubstituível.

Preocupante é que na Federação pode-se parar esta monarquia porque há eleições mas não há quem a pare. Desde benjamim que ouço criticas ao Rei Fernando, especialmente de atletas que fizeram toda a carreira sem conhecerem outro na posição máxima da F.P.A. mas a culpa é de não existirem alternativas nos momentos que verdadeiramente interessam. É que sem adversários competitivos, que apelo é feito sobre nós no sentido da busca constante de superação?

Líderes e Servo Fernando – O fracasso de muitas empresas prende-se com a falta de verdadeiros líderes. Não sou eu que o digo, foi apenas o que eu aprendi de disciplinas como Comportamento Organizacional, Gestão de Recursos Humanos… De facto, o que há mais para aí são pessoas que dirigem sem características de líderes e claro que não lhes chamo de líderes porque não o são. Dirigem, é verdade, mas não lideram. São como maus pastores que não conseguem sequer unir o seu rebanho.

Um líder é alguém que gere os outros, aproveitando o melhor de cada um. Para isso é fundamental, entre outros aspectos importantes, ouvir os outros, descentralizar poderes e inspirar os outros. Eu realçaria o ponto “ouvir os outros” como o mais importante porque é uma forma de fazer com que todos se sintam envolvidos, o que aumentará sem dúvida a motivação duma equipa organizativa. Numa equipa de atletismo, “saber ouvir” os atletas é fundamental mas num clima de crise onde todos os gastos exigem resultados, os dirigentes são “obrigados” a vencer a todo o custo. Torna-se por isso difícil ouvir os atletas e conceder-lhes folga quando necessitam. Há por aí atletas a competirem lesionados só porque os clubes lhes pagam… Quando se é pago, é-se obrigado, não é verdade?

É óbvio que um líder deve procurar a excelência mas isso não significa vencer a todo o custo! Vencer a todo o custo não conduz ao desenvolvimento pretendido, pois assenta numa enorme falta de respeito pelos outros, o que leva à natural desmobilização daqueles que se sentem maltratados. Não terá sido essa, uma das razões que levou o Vice-Presidente a renunciar do seu cargo? Não será essa a razão de eu ouvir falar mal deste e daquele dirigente (e sempre os mesmos) onde quer que vá no nosso meio? Não será por isso que há tanta movimentação de clube em clube todos os anos?

Eu tenho as minhas respostas mas nada melhor que deixar cada um a pensar por si… Sem dúvida que há falta de respeito e a maior falta de respeito que ocorreu na época passada (de que eu tenha conhecimento) sucedeu com o Servo Fernando. Depois de ter feito uma marca muito boa nos 800m completamente sozinho, o Servo viu-se de fora da “convocatória” do seu clube para a fase de Apuramento para o Campeonato Nacional de Clubes. Não seria muito estranho se tal clube tivesse convocado o seu melhor atleta (que tinha e tem melhor marca que o Servo), coisa que não fez. Ou seja, o clube do Servo não levou ninguém à prova de 800m nos Apuramentos… Uma injustiça tremenda para o Servo que comeu e calou por mais de uma vez durante a época (não é por acaso que lhe chamei de Servo…). Para quem gosta de curiosidades, esse clube “obrigou” outro atleta a competir com dores, nesses Apuramentos, numa prova exigente e o resultado foi o fim prematuro da época daquele atleta.

5 dedos da mão – Temos atletas a treinarem muito profissionalmente e a dedicarem-se à nossa modalidade como se não houvesse mais nada na vida para além do atletismo mas tal dedicação não é acompanhada, na maioria dos clubes, pela dos seus dirigentes. Claro que a culpa não é exclusivamente dos dirigentes pois muitos deles fazem disto uma distracção. Muitos estão sozinhos e (mais grave) outros querem estar sozinhos.

Mas para esses, saibam que numa equipa organizativa há 5 pilares para o sucesso. Seguindo uma imagem feliz do famoso treinador da equipa de basquetebol norte-americana, Mike Krzyzewski os membros de uma equipa devem ser encarados como os cinco dedos da mão. Que requerem ser envolvidos, responsabilizados e mobilizados em redor de objectivos e interesses comuns. Assim, dá-se oportunidade a que o todo seja maior que a soma das partes.

Normalmente, as equipas com sucesso têm cinco características fundamentais: Comunicação, Confiança, Responsabilidade colectiva, Preocupação com os outros e Orgulho. Cada uma destas características é como um dedo da mão. São importantes individualmente, mas invencíveis quando juntas sob a forma de um punho cerrado…

Estou certo que esta imagem dos 5 dedos da mão pode ajudar muito boa gente… É que no desporto, já não faz sentido somente “fazer” (atropelar tudo e todos, contratar desmesuradamente, dispensar sem dialogar, etc), comportamento que foi fortemente influenciado pelo “Just Do It” da Nike; é necessário saber “porquê” para depois se decidir “como” se vai realizar tal projecto e “qual” a melhor maneira de o conseguir. Porque se assim continuar, o atletismo torna-se num mero espectáculo gerido por pessoas sem ideias e sem projectos para além dos seus interesses pessoais e alimentado por massas alienadas (já fiz parte desse grupo) que atrairão “gentes” que se aproveitarão da nossa paixão – o atletismo.

(1) “O Estado sou eu!” – frase atribuída a Luís XIV, o “Rei Sol” que reinou em França entre 1643 e 1715. Centralizou o poder monárquico, recusando a figura de um primeiro-ministro, reduzindo a influência dos parlamentos regionais e não convocando os Estados Gerais durante o seu reinado.

Rafael Lopes

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Comentarios (1)add feed
gostei.. : eunice
acho quem é o rei e o servosmilies/tongue.gif
Outubro 21, 2009
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