[MOS13] O Mundial que voltou a ter Política

Segunda, 19 Agosto 2013
[MOS13] O Mundial que voltou a ter Política

Da lei anti-gay ao regresso da politização do desporto russo.

Este Mundial de Atletismo foi mais uma peça da estratégia russa perante o desporto, um regresso ao passado ou talvez uma tendência do futuro. As décadas o dirão… 

Uma visita à Rússia pode ser uma experiência de vida para um turista, pode ser uma visita com intenção de esclarecer o clube político em que se joga, pode ser a tentativa de viver outros tempos que poderiam nunca mais voltar a ser, mas que segundo rezam as vozes mais conhecedoras, são tempos que estão a voltar.

A realização do Mundial de Atletismo em Moscovo acontece depois de no mesmo Estádio de Luzhiniki se ter disputado a Taça do Mundo de Sevens, em Rugby. Mas a Rússia acolheu pouco depois as Universíadas, em Kazan e será em 2014 que se disputam os Jogos Olímpicos de Inverno, em Socchi. No ano de 2018 será tempo para a Rússia acolher o Mundial de Futebol.

Durante a primeira parte destes Mundiais esteve presente em Moscovo Jacques Rogge, o presidente cessante do Comité Olímpico Internacional, o que provocou uma onda de polémica relativamente à lei que proíbe os atos homossexuais em público. Ao longo destes Mundiais essa questão foi evidenciada em diferentes momentos. Ora porque a sueca Emma Green utilizou as cores do arco-iris nas unhas, que levou até a uma conferência de imprensa incomum sobre as unhas da atleta, até ao momento que a russa Elena Isinbayeva, após uma estrondosa vitória no salto com varo veio politizar a sua participação com o apoio à lei que tantos russos e comunidade internacional contestaram. A moeda de troca parece ter sido uma distinção vinda do presidente russo, ex-agente e chefe dos serviços secretos soviéticos, Vladimir Putin. No dia a seguir o retratamento sobre a imagem de Isinbayeva veio em forma de comunicado, assumindo uma má interpretação e a pouca prática no inglês, uma tese que não convenceu os críticos, dado que esta é uma das atletas russas com mais entrevistas feitas em inglês pelo seu estatuto internacional.

Entretanto, mostrando que esta é uma questão pouco consensual, o norte-americano Nick Symmonds dedicou a sua medalha aos seus amigos e familiares gay, uma tensão externa criada, à imagem da sueca Emma Green, que na final acabaria impedida de usar o arco-iris nas suas unhas, obrigando-se às unhas de tom vermelho. E quando se pensaria que a polémica podia estar apagada na comunicação social, duas atletas russas decidiram colocar de novo o assunto no cimo da mesa. No festejo do Ouro nos 4x400 metros as russas Kseniya Ryzhova e Tatyana Firova ousaram beijar-se em pleno pódio, o que levou ao esclarecimento que a interpretação da lei russa eventualmente não cobre eventos desportivos e não implicará problemas em Sochi 2014, nem à prisão de atletas que demonstrem atos homossexuais.

A situação é sensível e levou já à conversa nos meios e nos corredores acerca de boicotes, uma tendência que parece cada vez mais frequente. Na China, no ano de 2008, as ameaças de boicotes aconteceram relacionados com o Tibete, mas os verdadeiros boicotes históricos relacionaram-se com os Jogos Olímpicos de 1980 e de 1984, no primeiro caso disputado em Moscovo e no segunda caso em Los Angeles. São casos dos tempos da Guerra Fria, que Vladimir Putin bem conhece enquanto agente do KGB e que estão mais semelhantes que nunca, desde o caso de Edward Snowden, mas não só.

A politização do desporto acabaria por ser, nestes Mundiais, muito impregnada na atmosfera que se viveu, um hábito dos tempos antigos, que traz a vantagem de dar valor aos resultados e às medalhas, mas também a desvantagem de usar o desporto como “arma” de arremesso. A situação agudizou-se com a vitória russa na tabela de medalhas, uma superação justa e que já não acontecia desde Edmonton, em 2001, desde então com todas as edições de Mundiais dominadas pelos Estados Unidos da América.

AS BARREIRAS DE SEGURANÇA E DA LINGUAGEM

Ao longo dos dias os diários escritos foram dando conta das diversas dificuldades que todos os presentes em Moscovo foram tendo para a livre mobilidade ao longo do estádio, um excesso de zelo ou não, mas claramente trazendo problemas para quem necessitava de trabalhar, para lá do turismo e muito para lá da vontade de atentar sobre o evento. A barreira linguística raramente foi minimizada, excepto quando o objetivo era comprar, poucas vezes para solucionar problemas ou questões realmente importantes. A intransigência era nítida de desconfiança de tudo e a toda a hora e, percebeu-se mais tarde, foi mesmo demais. Que guerra estará instalada nos subúrbios dos conhecimentos públicos? Nos subúrbios do estádio de Luzhniki a segurança era para lá da invasão da privacidade, os olhos eram muitos, os reparos dados aos presentes foram constantes, onde qualquer um de nós foi considerado ou um espião ou um terrorista a toda a hora. De manhã, junto ao hotel, ouviam-se nórdicos muito indignados com tudo isto, onde o que se falava era muito concreto: ”Acho que foi a primeira e última vez que a IAAF veio trazer o Mundial à Rússia”.

Durante a interação com vários voluntários fiquei também a perceber que há aqui muita falta de confiança, num povo que se considera emotivo, ao mesmo tempo. Eu confirmo a emotividade e confirmo que há bondade em muitas pessoas, mas não posso confirmar que sejam livres de todo. À pergunta sobre o porquê da Rússia não reciclar, a resposta foi muito direta: ”eu estou aqui para dizer bem do evento, não quero dizer nada que me possa prejudicar”. Não contente com a resposta fui em busca de mais…percebi claramente que para lá da manipulação, que me parece ainda normal, houve um forte controlo em variadíssimos meios, principalmente em quem lidava diretamente com o evento. A ser verdade esta tese, Sochi promete não ser muito diferente, o que durante o próximo ano levantará, por certos, as devidas escaramuças.Em conversa com pessoas mais entendidas o que se percebe claramente é que entre russos ainda existe o medo da denúncia, tal como o passado ditou e esse é um sentimento cada vez mais constante.

O DIA EM QUE O PÓDIO RUSSO PRECISOU DE PÚBLICO

Citando um português que esteve presente nas bancadas do Luzhniki, durante o pódio de ontem dos 4x400 metros femininos, as saídas das bancadas foram temporariamente impedidas, para garantir que o estádio estaria cheio durante a cerimónia. Esta era, até, uma cerimónia não prevista no calendário e, a ser uma análise correta, estamos perante um lado menos cor-de-rosa do evento, mais manipuladora, mais de uso do desporto para fazer política externa, pelo menos de forma muito mais intensa do que costuma ser. Dir-se-ia que os níveis de politização do desporto ultrapassou o limite do razoável nestes Mundiais e a concentração a mais notou-se nos ares que passaram em Luzhniki, independentemente de estes terem sido um dos melhores Mundiais dos últimos anos a vários níveis e, quanto a isso, a Rússia provou capacidade organizativa. Sochi parece resguardado de problemas de segurança e de Organização, quando em 2014 receber os Jogos Olímpicos de Inverno…

A RÚSSIA CHEGOU DE NOVO À VITÓRIA NAS MEDALHAS….OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA À VITÓRIA NOS FINALISTAS

Até aqui a IAAF tem tido poucos problemas na questão relacionada com a classificação por países, dado que normalmente o vencedor nas medalhas tem sido o mesmo da posição dos finalistas. Mas desta vez a Rússia arrecadou a vitória nas medalhas, depois de 12 anos de jejum, enquanto os Estados Unidos da América voltaram a ganhar, claramente, na pontuação dos finalistas. A questão será posta nos seguintes termos: quem ganhou realmente este Mundial? Para os russos a resposta é clara, enchendo o Estádio nos últimos dois dias de prova, num apoio como nunca se viu em dias anteriores. Para os Estados Unidos da América a resposta será sempre de indiferença, tendo noção do facto de ter a maior profundidade de resultados neste Mundial. Os próximos tempos dirão que propaganda isto originou…

E completando a última crónica a partir de Moscovo, há que falar dos pódios. Ao nível das medalhas a Rússia triunfou com 7 Ouros, 4 Pratas e 6 Bronzes, contra os 6 Ouros, 14 Pratas e 5 Bronzes conquistados pelos Estados Unidos da América. A diferença de oito medalhas, a favor dos norte-americanos, expressa o domínio na tabela de pontuação, com 282 pontos, contra os 183 pontos da Rússia. O Quénia aparece no terceiro lugar da tabela de pontuações, expressando o seu domínio nas provas de fundo, enquanto que a Jamaica consta no terceiro lugar na tabela de medalhas, com o domínio nas provas de velocidade.

A próxima edição dos Mundiais realiza-se na China, na cidade de Pequim, o mesmo local que originou várias discórdias durante os Jogos Olímpicos, em 2008. Durante este Mundial, em Moscovo, não existiu qualquer banca de promoção da próxima edição do Mundial, promoção essa que se restringiu à cerimónia de fecho desta competição, um sinal de tensão ou de desinvestimento, nenhuma das razões positivas para a edição que vem.

Enviados Especiais: Edgar Barreira (texto) e Filipe Oliveira (foto)

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Comentarios (2)add feed
Hm,,, : Z
"Citando um português que esteve nas bancadas..." não me parece uma boa fonte, mesmo que acrescentem "a ser uma análise correcta". Parece-me relevante dizê-lo pois o que se segue a esse excerto da reportagem marca a diferença entre a leitura do artigo como subjectivo admitindo que a sua base são as ideias, impressões e as especulações do autor acerca dos costumes russos (que me parecem algo exageradas e preconceituosas, mas que posso sempre atribuir a uma perspectiva pessoal) e a leitura de um artigo cuja subjectividade deverei aceitar, à luz dos "factos" que me mostram a quebra de valores morais (quase) universais.

Приветствия,
Z
Agosto 20, 2013
Respeito pelos usos e costumes! : lutar.com
Sempre acreditei nas palavras sábias dos meus antepassados quando me disseram que devemos sempre mas sempre, respeitar além das ideias, os usos e costumes de todas as pessoas, religiões e raças. Nós tb não vevemos numa Democracia Absoluta, cada vez menos!!!!!!!!!!!!!!.......
Agosto 20, 2013
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