Atletismo madeirense à procura de outros dias

Quarta, 24 Julho 2013
Atletismo madeirense à procura de outros dias

Policarpo Gouveia antevê mais dificuldades no atletismo madeirense.

Depois da Taça da Europa de Provas Combinadas, atletismo madeirense continua a sentir-se esquecido. 

Durante muitos anos a Região Autónoma da Madeira teve uma forte componente clubística, agregando em alguns casos alguns dos melhores atletas nacionais nas suas fileiras, na disputa pelos campeonatos nacionais. Nos últimos anos, com a crise financeira a bater à porta da ilha, o dinheiro deixou de chegar aos clubes e a insularidade destes levou-os à obrigação de se “fecharem” dentro da ilha. É o perfeito caso de uma ilha expansionista, a quem o “Ouro” foi roubado e onde a ausência local de novas “minas” leva à dificuldade de competir de igual para igual com outras regiões portuguesas. O problema não estará tanto na captação, mas mais na continuidade e na melhoria dos principais valores, onde as principais pistas de treino se encontram fora dos centros populacionais.

Esta realidade levou o Atleta-Digital à conversa com Policarpo Gouveia, presidente da Associação de Atletismo da Região Autónoma da Madeira (AARAM), que desde a fundação, no ano de 1997, lidera os destinos do atletismo madeirense. O caminho até aqui foi de um promissor jovem atleta, que rapidamente se tornou num juíz e árbitro de mérito, transportando consigo a experiência de vários eventos internacionais, como foram os casos dos campeonatos mundiais de Corta-Mato, Estrada, Juniores e Pista Coberta. Foi pela sua mão que a AARAM se criou, depois de ter sido diretor da modalidade, na extinta Associação de Desportos da Madeira.

Atleta-Digital: Como é ser presidente longe dos centros de decisão nacionais?

Policarpo Gouveia:
"É complicado, pois na mente de muitas pessoas o centro de decisão funciona em Lisboa o que tenho sempre “combatido” com alguns resultados, pois na atualidade essas diferenças estão esbatidas, pese embora o facto de ainda haver algumas mentes que tentem atuar de modo contrário. Existe um grande problema que a administração central ainda não resolveu, que é a continuidade territorial, o que tem prejudicado imenso a qualidade do atleta madeirense, pois está num plano desigual de oportunidades em relação aos restantes atletas do Continente".

Atleta-Digital: O apoio do Governo Regional tem diminuído significativamente. É ainda gerível ter atletismo na Madeira com este tipo de apoios?

Policarpo Gouveia:
"Quase impossível! O que nos tem valido até ao momento, foi termos lido os “sinais”, há quatro ou cinco anos atrás, do que estamos a viver e por conseguinte modificámos imenso a nossa forma de atuar, procurando novas fontes de receita, principalmente junto das entidades privadas e lançando novos eventos para obtermos receita".

Nesta crise a capacidade desta associação tem também sido fruto da criatividade daqueles que na ilha trabalharam para trazer dignidade à modalidade. Por vezes até de forma desligada e descoordenada com o Continente, a intenção da Madeira acolher eventos internacionais tem sido a possibilidade de Portugal se colocar no mapa das organizações europeias, algo que é reconhecimento também da Associação Europeia de Atletismo. E esse é o motivo da Madeira ter acolhido a Taça da Europa de 10000 metros e a Taça da Europa de Provas Combinadas, neste ano que foi a segunda vez que a competição visitou a ilha da Madeira, na pista da Ribeira Brava, que tem feito a delícia dos muitos atletas que passam por ela...

CLUBES CONTINUAM A VIVER UMA SITUAÇÃO SUFOCANTE

Sem meios de ajuda financeira, a AARAM tem assistido à degradação das condições dos clubes apoiarem os seus atletas. Policarpo Gouveia não duvida que seja possível trabalhar bons atletas na ilha, mas com custos elevados: ” Podemos dar como exemplo o Alberto Paulo, que apesar de representar o Benfica e ter sido o melhor atleta português no recente Campeonato das Nações, toda a sua preparação é efetuada na Região.”.

E das poucas formas de tentar equilibrar os clubes madeirenses, a realização da fase de apuramento para o Nacional de Clubes de Ar Livre na ilha da Madeira tem sido uma delas. Este foi um mecanismo criado, que no caso deste ano permitiu uma presença relativamente digna de clubes madeirenses na final do Nacional de Clubes. Vale a relação de diálogo com a Federação Portuguesa de Atletismo, que Policarpo Gouveia categoriza de uma relação ”normal”.

Atleta-Digital: Segundo sabemos os clubes madeirenses têm racionado os orçamentos para conseguirem presenças nos Nacionais de Clubes. Vê forma de melhorar o apoio aos clubes para eles sobreviverem neste período de crise?

Policarpo Gouveia:
” É uma triste realidade o que se tem passado! Temos atletas madeirenses com imensas hipóteses de obterem medalhas nos diferentes nacionais de categoria e os clubes não têm suporte financeiro para que os atletas estejam presentes nos respetivos nacionais! É a tal continuidade territorial que os governantes ainda não conseguiram implementar…”

OS EVENTOS INTERNACIONAIS QUE NÃO CONVENCEM AUTORIDADES LOCAIS

Autenticamente a remar contra a maré, a AARAM declara-se praticamente sozinha no esforço de trazer eventos internacionais para a região, que são formas de promoção do turismo, onde afinal existe pouca influência do Governo Regional.

Atleta-Digital: Tem havido alguma aposta em eventos internacionais. É uma iniciativa exclusivamente da AARAM, ou é também um pedido do Governo Regional para dar a ilha a conhecer ao estrangeiro?

Policarpo Gouveia:
” Infelizmente a iniciativa é exclusivamente nossa, pois da parte do Governo Regional o apoio é praticamente nulo! Se por parte da DRJD temos algum apoio logístico, que é importante na organização do evento, já o Turismo deveria aproveitar o ensejo para uma boa promoção do destino para estágios e outras variantes. Mas apesar das nossas solicitações, temos como resposta um silêncio inexplicável!”.

Este é um dos principais fatores de desagrado de Policarpo Gouveia após algumas semanas da realização da Taça da Europa de Provas Combinadas na pista da Ribeira Brava. Apesar de este ano a pista ter recebido estágios de três grupos de treino, o presidente da AARAM considera que este não é um número significativo se comparado com o potencial local: ”Este número pode subir consideravelmente dadas as nossas condições climatéricas e das infra-estruturas, mas para alcançar tal desiderato, a Secretaria do Turismo deve ter outra postura na abordagem do assunto”.

Se a edição de 2011 trouxe algum desagrado nos atletas, pela dificuldade na luta contra as condições de vento, este ano o contraste poderá ter trazido outra imagem mais favorável para o aumento dos estágios realizados no Complexo Desportivo da Ribeira Brava.

Atleta-Digital: Sente que a Taça da Europa de Provas Combinadas foi este ano mais positiva do que foi em 2011?

Policarpo Gouveia:
”Devido à alteração que efetuámos, no sentido da corrida para os 100 metros e para as barreiras, o resultado foi espantoso. Obviamente que não foi com tal alteração que houve nesta edição 80 recordes pessoais na totalidade das provas, 6 máximos pessoais no heptatlo, 4 no decatlo e um recorde nacional. Foi tudo um conjunto de fatores, entre os quais a excelência da pista, que conjugaram para este conjunto de resultados espantosos, o que creio é bem capaz de ser inédito…Demonstrámos que esta pista é excelente para a realização de provas combinadas!”

Mas Policarpo Gouveia reclama, ainda assim, melhores condições para os locais. Sem desprezar a importância das pistas da ilha, o líder do atletismo madeirense lamenta o facto da principal cidade, o Funchal, continuar sem uma pista próxima, dada a dificuldade na mobilidade dentro da ilha: “A outra grande questão é termos novamente uma pista de atletismo no Funchal, pois a capital madeirense com mais de metade da população residente necessita de um espaço onde as pessoas possam treinar a modalidade em termos competitivos para alcançarem patamares elevados, assim como de um espaço próprio para um número significativo da população que gosta da prática da atividade física. Neste caso teria a oportunidade de serem orientados por profissionais, sendo mais uma forma de arrecadarmos receitas para a Associação. A titulo de curiosidade, para organizarmos qualquer torneio, temos que dividir em duas partes: Lançamentos do martelo, disco e peso no Funchal, nas instalações militares e as restantes provas na Ribeira Brava com os encargos financeiros elevados que temos de suportar…”.

Para 2015 existe um novo desafio, a organização do Europeu de Montanha, numa das regiões portuguesas que mais importância dá às provas de trail, não fosse o sobe e desce constante desta ilha uma imagem de marca. E é por sê-lo que Porto Moniz receberá dentro de dois anos este evento. A edição deste ano, disputada na Bulgária, teve a presença de Policarpo Gouveia, que foi inspirar-se e trazer detalhes técnicos para a sua organização.

Atleta-Digital: Trazer o Europeu de Montanha em 2015, será um desafio importante para a ilha?

Policarpo Gouveia:
” Será mais um desafio numa outra vertente da modalidade. É mais uma oportunidade que temos de mostrar aos países europeus o que temos de melhor, que é a nossa paisagem, num evento que vai decorrer na sua totalidade em plena floresta da Laurissilva, considerado património Mundial. É também uma maneira de conquistar mais pessoas para participarem nas provas de montanha e trail que são organizadas na Região e acima de tudo mostrar o nosso valioso património nas caminhadas nas levadas e percursos na zona onde vai se realizar o Europeu de Montanha. Não sendo um especialista na matéria, considero que temos uma grande reserva de “ouro” ainda por explorar no que concerne ao turismo. È este nicho da natureza com passeios a pé nas levadas e percursos pedestres que são de uma beleza inusitada e que de futuro pode ser um grande nicho de mercado. Esperemos que os governantes tenham alguma sensibilidade para esta matéria, que é importantíssima para os madeirenses.”

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