[MADEIRA13] As provas combinadas em Portugal

Terça, 25 Junho 2013
[MADEIRA13] As provas combinadas em Portugal

Entrevista exclusiva ao Atleta-Digital.

José Dias, técnico nacional de provas combinadas, falou dos problemas existentes e falou-nos das expectativas para a Taça da Europa de Provas Combinadas. 

Não é nas provas combinadas onde está o maior historial português no sucesso desportivo, uma situação que não pode ser apontada à dimensão do país, mas à falta de aspetos que José Dias indica como fundamentais, um deles a qualidade dos treinadores. Com 14 anos de casa, na Federação Portuguesa de Atletismo e 23 enquanto treinador de provas combinadas, o Técnico Nacional aceitou o convite de uma entrevista alargada sobre o setor, que afinal apresentou novidades já para este ano. E uma delas foi conseguir fazer regressar um atleta aos grandes eventos internacional, com a ida de Tiago Marto ao Europeu de pista coberta deste ano. E como seriam as provas combinadas na década de 90?

José Dias:” Praticamente não havia tradição nas provas combinadas. Normalmente os atletas mais versáteis (lembro-me do José Carvalho) acabavam por ser atletas de Provas Combinadas. Não havia propriamente especialistas em Provas Combinadas. O Mário Anibal foi o primeiro especialista e depois apareceu a Naide Gomes, que foram os dois expoentes máximos. Podemos considerar-nos os pioneiros nas provas combinadas, fomos muito por ensaio e erro numa primeira fase”.

Tal como recentemente ocorreu no salto com vara, também as provas combinadas tiveram na década de 90 a influência direta dos treinadores franceses, mas também os espanhóis e ainda os checos, uma das potências mundiais das provas combinadas. E para esta influência José Dias foi um dos treinadores que fez temporadas no estrangeiro, nomeadamente na República Checa, depois do momento histórico que fez separar Checoslováquia em dois países distintos.

José Dias:”Algumas coisas que fiz com o Mário Anibal no início da carreira talvez já não as fizesse, mas na fase mais avançada da carreira as coisas estavam mais consolidadas e os resultados apareceram”.

E de facto o sucesso que Mário Anibal teve nas provas combinadas será digno de um bom início de história para as provas combinadas portuguesas, que desde então só voltariam a ter uma grande referência internacional, Naide Gomes. O português participou numa olimpíada, em Sydney, no ano de 2000, quando foi 12º classificado no Decatlo. Melhorou assim do 18º lugar que tinha alcançado três anos antes no Mundial, em Atenas e repetiria o 12º lugar no Mundial de 2001, disputado em Edmonton. Em Gent, no ano de 2000, Aníbal tinha chegado ao 5º lugar, no Europeu de pista coberta, para um ano depois estar no Mundial de pista coberta, realizado em Lisboa, onde seria 7º classificado. Tudo acabaria em 2004 para Mário Anibal, sendo hoje treinador e comentador televisivo, um mérito das provas combinadas que ficou como propriedade da modalidade, mas não necessariamente para o grande público...

Atleta-Digital: Porque é que acha que normalmente os atletas mais conhecidos raramente são os atletas de provas combinadas? O que faltará a este tipo de provas para que sensibilize o grande público e também as transmissões televisivas?

José Dias:” Não é bem assim. Lembro-me de um conterrâneo da Jessica Ennis que foi o Daley Thompson, que foi naquela altura uma das vedetas do atletismo europeu. E em alguns países não é bem assim. Sobretudo nos países nórdicos e nos países mais desenvolvidos os atletas das provas combinadas são as grandes vedetas. Da Estónia o Erki Nool é herói nacional, é o homem que está nas séries de selos, tem o nome em estradas. Já estive em Provas Combinadas na Estónia e temos estádios cheios com pessoas que têm tabelas de pontuação, acompanham as provas step-by-step, são pessoas entendidas de facto e que acompanham as Provas Combinadas com todo o interesse. Os alemães e os franceses têm uma grande cultura de provas combinadas, tal como os checos.”

Para quem a prova raínha dos Jogos Olímpicos não são os 100 metros, mas sim o Decatlo, a justificação está na comunicação social: ” A comunicação social está permanentemente em cima dos atletas e no final aquela volta de honra dos decatlonistas é o culminar daquelas jornadas.”.

O PAPEL DOS TREINADORES É O FATOR MAIS IMPORTANTE PARA A FIXAÇÃO

Mais conhecedor das provas combinadas noutros países do que a maioria dos treinadores em Portugal, José Dias não tem dúvidas que é a falta deles que leva à dificuldade de ter mais atletas de provas combinadas no nosso país. Que fórmulas de sucesso estarão a ser utilizadas no estrangeiro?

Atleta-Digital: Também nos outros países os núcleos de treino de Provas Combinadas são reduzidos como em Portugal?

José Dias
:”Nos países que conheço melhor, a França e a Espanha, também é assim. Em França também existem 3 ou 4 pólos e isso é o ideal. É muito difícil treinar um decatlonista se não houver o mínimo de condições. O que eu considerava em Portugal era fazer os tais 3 ou 4 pólos. Já temos um em Lisboa, outro na região de Santarém, um no Norte caminha para isso. No sul é que ainda não temos ninguém que nos dê uma ajuda.”

Atleta-Digital: Qual é o perfil que um bom treinador de provas combinadas deve ter e e que diferenças existem com treinadores de outros setores?

José Dias:
”P treinador de provas combinadas requer alguma especificidade. Tem de ter um conhecimento alargado de todas as disciplinas. Tem de ser um individuo que goste atletismo e que tenha paciência de estar muito tempo na pista e que não tenha pressa de formar um atleta, que é uma das condições fundamentais. Um atleta de provas combinadas faz-se a longo prazo. Hoje um atleta de Decatlo atinge o seu apogeu entre os 28 e 32 anos e um treinador não poderá querer resultados imediatos. O treinador terá de ser apoiado por uma equipa, logicamente, porque é muito importante trabalhar em equipa. Longe de pensar que sei tudo eu nunca tive o problema de trabalhar em equipa. Sempre estive aberto a absorver o treino e a filtrar as informações que ia recebendo de outros treinadores. O modelo de treino das provas combinadas é um bocadinho diferente do que é comum...

Atleta-Digital: Poderá dizer que em cada distrito deste país terá pelo menos um treinador apto, com condições de treino mínimas, para a formação e desenvolvimento de um bom atleta de provas combinadas?

Tiago Marto

José Dias:
”Sendo realista não e as próprias associações conhecem essa realidades. Em certos lugares é impensável pensarmos que teremos atletas de provas combinadas de boa qualidade, quer pelas condições de acompanhamento, quer pelas próprias condições das instalações. Há um inúmero sem fim de défices. Há certas disciplinas do atletismo que têm de ser localizadas.”

Depois dos sucessos de Mário Anibal e Naide Gomes, teria ficado a ideia de que Portugal não soube aproveitar esses sucessos para promover as provas combinadas no nosso país. Esta é uma ideia que José Dias refuta, justificando pelo lado da falta de fixação.

José Dias:” Eu acho que a imagem transmitiu-se e têm aparecido e passado muitos atletas de provas combinadas. O problema de facto é a fixação dos atletas nas provas combinadas. É importante ver onde eles aparecem. Se eles aparecem no sítio errado, com o treinador errado para o treino das provas combinadas, é impossível o atleta manter-se. Ele tem de ser apoiado por um treinador que tenha o mínimo de condições para o fazer. Os treinadores nem sempre apoiam, os treinadores preferem apoiar os atletas para uma disciplina única, os resultados são mais imediatos.”.

E se um dos motivos da falta de fixação é pelo abandono do treino de todas as especialidades das provas combinadas, porque será que existirão no Mundo outros casos como Naide Gomes, que depois de ter sido um sucesso nas provas combinadas, se dedicou a uma especialidade única? Questionámos José Dias se é esse o caminho de um atleta de provas combinadas...

José Dias:” Muitas vezes acontece por condicionalismos. O único caso que foi por opção e que se veio a verificar ter sido uma má opção foi o de Carolina Kluft. Passou para o salto em comprimento e foi um fracasso total. No caso da Naide foi por lesão, seria impossível ter continuado no Heptatlo. Quase todos os decatlonistas de alto nível não abandonam a nenhuma disciplina individual, eu conheço é o contrário, atletas de uma disciplina que passaram para as provas combinadas. Muitas vezes enquanto jovens é mais importante eles manterem-se nas provas combinadas porque depois é muito mais fácil eles optarem por uma disciplina individual, o contrário é mais difícil. Em Portugal houve um atleta que era o Nuno Fernandes cujos melhores anos no salto com vara foi curiosamente quando ele fez Decatlo. O Nuno abandonou as provas combinadas também por motivos físicos...”.

O QUE ESTÁ PARA MUDAR NAS PROVAS COMBINADAS EM PORTUGAL...

Treinador de vários anos, seguidor e decisor do que em Portugal se tem feito em Provas Combinadas, José Dias viu recentemente a Federação Portuguesa de Atletismo colocar a prova de Decatlo e Heptatlo em conjunto com o Campeonato de Portugal, uma vitória do setor que não se vai ficar por aqui...

José Dias:” Em termos do calendário competitivo, ele tem desfavorecido as provas combinadas porque não há provas combinadas no Nacional de Clubes. Se fizesse parte os clubes seriam obrigados a ter atletas de provas combinadas. Em Lisboa não há atletas de provas combinadas, começam a haver agora alguns com o aparecimento do Centro de Alto Rendimento e com a fixação do Mário Aníbal enquanto treinador. Durante três ou quatro anos o Benfica não teve um decatlonista. As provas combinadas estão, espero que cada vez menos, um pouco ostracisadas. Para o ano vamos acabar com isso, as provas combinadas já vão fazer parte do Nacional de Juvenis e de Juniores os clubes vão ter de apoiar os seus atletas de provas combinadas. Já vai acontecer isto nos Campeonatos de Portugal este ano. Os espanhóis começaram esta experiência há três anos e a pouco e pouco estão a consolidar o número de atletas. É preferível termos 5, 6, 7 ou 8 atletas, mas que estão em vias de serem especialistas..”.

Atleta-Digital: Não foi um erro terminar com a fase nacional do Atleta Completo?

José Dias
:” Eu penso que isso não teve grande influência. Eu não o vejo como prova combinada, mas como uma preparação multidisciplinar para o atleta. Há muitos atletas que no Atleta Completo não tinham objetivos de seguir as provas combinadas. Este caminho de avançarmos para a inclusão das provas combinadas nos campeonatos juvenis e juniores são mais importantes do que a fase nacional do Atleta Completo. Havia atletas que não iam preparados para aquela competição.”

Atleta-Digital: Normalmente as únicas saídas internacionais dos melhores portugueses ocorrem na Taça da Europa de Provas Combinadas. Não seria estratégico ter os melhores em meetings só de provas combinadas?

José Dias
:” Teriamos todo o interesse. A dificuldade é essencialmente económica. A nossa situação geográfica e económica não tem permitido que possamos estar presentes nesses meetings. Os espanhóis têm meetings e têm quadrangulares com Inglaterra, República Checa, França. Eu já falei com colegas desses países para participarmos com atletas, mas os condicionalismos económicos têm impedido que isso aconteça. O nosso calendário é muito recheado e quase todos os atletas têm compromissos com os clubes e normalmente esses grandes meetings costumam calhar no fim-de-semana do Nacional de Clubes. Os espanhóis também têm interesse em trabalhar connosco, até porque as nossas realidades são muito semelhantes.”

O QUE ESPERAR DA TAÇA DA EUROPA DESTE ANO, DEPOIS DE UM 2011 POLÉMICO...

Este ano a Taça da Europa de Provas Combinadas irá ter a sua 2ª Liga realizada novamente na ilha da Madeira, depois de em 2011 aí se ter realizado. À época Portugal apenas apresentou um atleta em competição, que provocou alguma indignação no setor, que via a possibilidade de se representar melhor numa prova disputada em solo nacional. José Dias não deixou de esclarecer o sucedido...

Pedro Santos

José Dias:” Nós na federação temos uma tabela de referência de marcas que possibilitam a ida à Taça da Europa. Nesse período foi diretriz do Diretor Técnico Nacional que indicava que só iria quem atingisse as marcas de referência. Nesse ano só o Pedro Santos e o Tiago Marto é qque o conseguiram e em femininos nenhuma atleta conseguiu. Ainda tentei propor mais um rapaz que formaria a equipa masculina. Como não foi autorizado e como o Tiago Marto estava um bocado tocado optou-se que o Tiago fosse às Universíadas”.

E este ano a mudança de prioridades levou a que a Federação Portuguesa de Atletismo aceitasse a ida de seis atletas à Taça da Europa, com três atletas masculinos e três femininos. ” Este ano as coisas são completamente diferentes, estamos a criar um grupo mais agradável e já fica um ou outro de fora. Este ano tivemos lesões que impediram que alguns atletas tivessem ficado de fora, um dos casos o Pedro Santos e no feminino temos mais uma ou outra jovem que se perfila para alguma luta para a entrada na Taça da Europa. Temos também um grupo muito interessante de juvenis e temos uma equipa com perspetiva de chegar mais longe...”, considerou José Dias. Mas até onde poderá ir esta ambição?

Atleta-Digital: Há expectativas de um bom resultado coletivo que leve à subida de Portugal à 1ª Liga?

José Dias:
” Eu já analisei as equipas presentes, a equipa da Irlanda tem uma boa atleta, a equipa da Turquia dá-me ideia que não é forte...Com as coisas a correrem normalmente podemos aspirar pela subida. Se todos os atletas estiverem ao nível normal espero que fiquemos num dos dois primeiros lugares. O problema é que temos só seis atletas e os seis pontuam e não podemos ter qualque azar. Ainda propus, sobretudo no Decatlo, a ida de um quarto elementos, mas compreendo que face aos condicionalismos a federação não tenha autorizado.”

Atleta-Digital: O que acha do novo modelo de competição desta Taça da Europa? Prefere assim?

José Dias:
” Gosto deste modelo. É mais justo. Obriga a trabalhar o Heptatlo e o Decatlo. Em termos de deslocação é mais interessante, em termos de grupo é mais equipa, indo toda junta.”

A POLÉMICA REGRA DAS “MÉDIAS” QUE VEIO LANÇAR A FÚRIA NAS PROVAS COMBINADAS

Se há discussão no setor nacional sobre o que podiam ser as provas combinadas em Portugal, mundialmente haverá uma longa discórdia sobre a nova regra colocada em regulamento para as provas combinadas. Esta regra relaciona-se com a homologação dos registos das provas combinadas, em função do vento. Se antes em todas os eventos cujo vento influencia era tolerado até 4 metros por segundo, sendo que a partir daí era contabilizada a média dos ventos, agora a regra foi simplificada para uma média dos ventos que não pode exceder os 2 metros por segundo. ” Foi um disparate completo. Tenho falado sobre isso com o Jorge Salcedo e ele admira-se como tem havido tanta passividade sobre esse regulamento”, diz-nos José Dias que viu este ano o mínimo de Paulo Neto para o Mundial de Juvenis invalidado por uma ou duas décimas na velocidade do vento. ” É difícil em Portugal termos Decatlos ou Heptatlos homologáveis. Este ano em Portugal não temos qualquer marca homologável”, complementou. E se em 2011 os ventos na Madeira invalidaram grandes prestações internacionais, por vento contra, este ano a Taça da Europa terá a possibilidade de fazer disputar as corridas em qualquer um dos sentidos da reta, nas provas de velocidade e barreiras. ” Esperamos que desta vez o Deus do vento nos ajude”, é o desejo máximo do Técnico Nacional de Provas Combinadas.




Por: Edgar Barreira (entrevista) e Marcelo Silva (vídeo)

O Atleta-Digital marcará presença na edição deste ano da Taça da Europa de Provas Combinadas, nos dias 29 e 30 de junho. Acompanhe tudo no seu portal de atletismo...

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