O que seria o atletismo sem ecrãs... (dia 3)

Sábado, 02 Março 2013
Esta não é uma questão só do atletismo, é uma situação transversal, mas hoje apliquemos a mesma ao atletismo. Durante as entrevistas que fizemos com Sara Moreira nestes Europeus reparei que Gotemburgo mudou a forma como as corridas vão decorrendo. Durante a corrida, os atletas nunca apanham qualquer ecrã com transmissão vídeo em frente, dado que os ecrãs estão nesta competição virados para as bancadas centrais, paralelos às retas.

Esta parecia ser uma situação irrelevante, é afinal muito relevante, porque Sara Moreira preferiu ter uma ponta final mais rápida do que deveria ser numa qualificação, em vez de olhar para trás. Seria preciso recuar uns anos para que os atletas voltassem à era em que os ecrãs televisivos nos estádios e pavilhões não tinham qualquer tipo de relevância ou influência nas corridas, o que levanta, até, uma certa dose de perspetiva quando olhamos para resultados de há dezenas de anos atrás, com os obtidos nos dias de hoje. Os sentidos são agora mais visuais que auditivos, em vez do sentir da respiração do atleta de trás ou do bater dos pés na pista, que em Gotemburgo está 3 metros acima do solo.

Por outro lado, o público deixou de apreciar o atletismo pelos cronómetros e pelos binóculos, passou a ver as provas nos ecrãs, passou a consultar os resultados nos dispositivos móveis, também eles com ecrã. Tudo é mais pixelizado, menos HD que simplesmente olhar na pista e sentir as provas, tudo mais “touch” e menos “look” e por consequência, menos público, menos espetáculo desportivo. Que vantagem estará a tirar o atletismo com tantos grafismos disponíveis? Se remontarmos ao Campeonato de Portugal ou a este Europeu de pista coberta conclui-se que :

- os jornais generalistas (mesmo os desportivos) deixaram de aparecer a fazer a cobertura do evento

Os meios mudaram, a imagem é a nova componente e tudo está mais solto e desprendido do interesse das marcas, do que sentem os atletas, dos pormenores, para acompanhamento dos eventos. Tudo é a base dos “Likes”, principalmente para notícias curtas e fugazes, desprovidas de conteúdo original, desprovidas da sensação sobre a competição...

Tudo por causa dos ecrãs, aquilo que por um lado mete a modalidade no topo da tecnologia, aquilo que aos poucos parece ser uma forma de dispersar as pessoas que preferem o conforto do lar em vez de se deslocarem para um pavilhão cheio de sensações a viver. Hoje mesmo sentiu-se algo que não tenho a certeza que se tenha vivido no conforto dos lares. Daniele Greco saltou 17.70 metros no triplo salto, num salto medido com recurso a tecnologias de imagem, em vez da medição por equipamentos topográficos. A medição do salto terá demorado mais de um minuto, com uma tecnologia que elimina o impacto visual de um bastão com um alvo que no contexto televisivo é nefasto. Por meios topográficos, com precisões equivalentes, o salto teria sido medido de forma mais célere, não afetando o espetáculo desportivo como afetou na demora do saber do resultado, da reação tão expontânea como o somatório da adrenalina do salto com a euforia do conhecer do resultado. Terá resultado na televisão, não resultou para quem esteve no pavilhão.

Para concluir deixo uma consideração sobre a quantidade de ecrãs que o evento possui em seu redor. No pavilhão existem ecrãs para substituirem faixas, com imagens estáticas do evento, no Market Square existem ecrãs em tamanhos desproporcionais para mostrar informações sem interesse. Num campeonato que se dirá “eco”, o desperdício parece ser demais e parece ampliar uma tendência que começa a parecer uma competição para ninguém apreciar, apenas para se ir vendo aos bocados e aos excertos. A situação financeira é complicada, todos sabemos, mas estaremos a promover eventos sustentáveis a médio prazo? Não será o público presente uma parte muito importante do espetáculo?



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